OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Cândido!... é possível o que estais dizendo?...<br />
– Pensais que eu me lastimo! ...continuou o mancebo; pois já não confessei<br />
que era um castigo? julgais que me resta algum ressentimento?... não: é um remorso<br />
o que me resta!<br />
– Oh! não é isso, exclamou Irias; não é isso o que te quero perguntar; o que eu<br />
<strong>de</strong>sejo é saber se tu zombas, se estais em ti, se não inventas?...<br />
O mancebo riu com um rir terrível.<br />
– Eles <strong>de</strong>spediram-te?...<br />
– Como a um pobre se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>.<br />
– Eles?... ela?!<br />
– Por que vos admirais?...<br />
– Ela te ama.<br />
Cândido tornou a rir mais terrivelmente ainda do que há pouco.<br />
– Ela te ama! repetiu com acento <strong>de</strong> profunda convicção a velha Irias.<br />
– Não! bradou o moço; não, e não! se é uma consolação que preten<strong>de</strong>is<br />
<strong>de</strong>rramar na minha alma, minha alma rejeita uma consolação em que não po<strong>de</strong><br />
acreditar.<br />
– É uma verda<strong>de</strong>, o que eu digo... uma verda<strong>de</strong> que o futuro te há <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstrar.<br />
– Então vós vos enganais, senhora; estais ainda menos adiantada que eu no<br />
conhecimento <strong>de</strong>ste mundo, on<strong>de</strong> ten<strong>de</strong>s vivido três vezes mais do que o <strong>de</strong>sgraçado<br />
que adotastes.<br />
A velha fez com a cabeça um movimento <strong>de</strong> impaciência, e ia falar.<br />
– O que é, continuou Cândido sem querer ouvir Irias, o que é que vos prova o<br />
amor <strong>de</strong>ssa moça?... quê?... não or<strong>de</strong>nar que me lançassem fora <strong>de</strong> sua casa no<br />
momento mesmo em que tivestes a imprudência <strong>de</strong> lhe <strong>de</strong>clarar o meu amor?...<br />
sofrer que eu para ela algumas vezes olhasse, e algumas vezes também ter olhado<br />
para mim?... engano e ilusão, senhora!... essa mulher é como as outras. A mulher se<br />
apraz <strong>de</strong> merecer o amor, a admiração da criança, do moço e do velho; todos eles<br />
incensam o amor-próprio, a vaida<strong>de</strong> mesmo, que é a corda mais vibrante do coração<br />
da mulher! amai-me! admirai-me! diz ela; porém pagar esse sentimento que querem<br />
inspirar com outro sentimento igual, é mui diverso do que isso. Quem confun<strong>de</strong><br />
amor com vaida<strong>de</strong> dirá também, como vós dizeis, que eu fui amado pela neta <strong>de</strong><br />
Anacleto.<br />
– Então esse amor entra porventura na or<strong>de</strong>m dos impossíveis?.<br />
– Dos impossíveis absolutos não; porém no pé em que se acha a socieda<strong>de</strong>,<br />
entra na or<strong>de</strong>m dos impossíveis morais.<br />
– Como?... meu querido Cândido, que te falta para ser amado?...<br />
– Falta-me aquilo que é hoje no mundo a primeira das virtu<strong>de</strong>s; a virtu<strong>de</strong> que<br />
encanta homens e mulheres; que abre-nos a porta dos empregos e das honras; que<br />
abre-nos corações ao amor... falta-me a virtu<strong>de</strong> a quem se está ren<strong>de</strong>ndo um culto<br />
idólatra; falta-me a riqueza.<br />
– Oh!...<br />
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