OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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A rainha caiu do seu trono... uma palavra só daquele mancebo a podia tornar<br />
objeto <strong>de</strong> sarcasmos e <strong>de</strong> maldições...<br />
E a vaida<strong>de</strong> ainda triunfou. Mariana ainda se não quis resignar; e para<br />
continuar a ser incensada naquele mundo, que era tudo para ela, sujeitou-se a<br />
representar daí por diante o triste papel <strong>de</strong> escrava <strong>de</strong> Salustiano.<br />
O resultado <strong>de</strong> tudo isto já não se ignora. Mariana estava sofrendo também o<br />
castigo <strong>de</strong> seu crime, imposto pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um homem.<br />
E o seu <strong>de</strong>stino tocava um terrível extremo. A hora fatal batia.<br />
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A <strong>de</strong>sgraçada filha <strong>de</strong> Anacleto havia ficado em seu quarto pasma e aterrada<br />
logo <strong>de</strong>pois que seu pai a <strong>de</strong>ixou só.<br />
Agora é o começo da tar<strong>de</strong>.<br />
Mariana havia <strong>de</strong>scido, e achava-se sentada no sofá, na sala <strong>de</strong> visitas do “Céu<br />
cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
Tinha vindo esperar Salustiano. No entretanto meditava.<br />
O aspecto da triste viúva trazia em si um não sei quê <strong>de</strong> sinistro. Seus<br />
supercílios, bastos e negros, estavam dolorosamente enrugados <strong>de</strong> modo que quase<br />
se confundiam um com o outro. No entretanto, e apesar disso, seus olhos brilhavam,<br />
mas não com o fogo da vida... todas as suas feições se achavam contraídas, e quando<br />
ela falava, notava-se em sua voz alguma coisa que se não podia explicar, mas que<br />
produzia uma impressão sobremodo <strong>de</strong>sagradável.<br />
Estava toda vestida <strong>de</strong> branco, mas trazia cingindo-lhe a cintura uma fita<br />
negra, cujas pontas caíam até o chão. Essa fita era lúgubre.<br />
Conservou-se muito tempo na mesma posição, imóvel e indiferente a tudo.<br />
Parecia haver medido perfeitamente o fundo do abismo aberto <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> seus pés,<br />
e como que penetrada da certeza <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r salvar-se <strong>de</strong>le. Não estava sossegada,<br />
estava inerte.<br />
Mariana tinha tomado todas as medidas para não ser incomodada por<br />
testemunhas importunas naquelas horas. Seu pai <strong>de</strong>veria voltar bem tar<strong>de</strong>; e a rogos<br />
<strong>de</strong>la, Celina prometera não <strong>de</strong>scer ao primeiro andar senão quando fosse chamada.<br />
E, portanto, ela esperava somente uma pessoa; esperava Salustiano... a morte.<br />
Depois <strong>de</strong> algum tempo <strong>de</strong> sinistra imobilida<strong>de</strong> e mu<strong>de</strong>z, a viúva levantou a<br />
cabeça que tinha um pouco inclinada, e, como se falasse a alguém, murmurou com<br />
voz pausada:<br />
– Eu lhe disse um dia, que ele se não lembrava <strong>de</strong> que se os homens sabem<br />
matar, as mulheres sabem morrer.<br />
Sorriu terrivelmente, e disse:<br />
– Provar-lhe-ei.<br />
Sorriu <strong>de</strong> novo, e ainda mais terrivelmente; <strong>de</strong>pois tirou do seio um pequeno<br />
embrulho <strong>de</strong> papel; abriu-o com mão firme e olhou; o que havia <strong>de</strong>ntro era um pó<br />
branco.<br />
– Arsênico!... balbuciou a mísera com ironia amarga e <strong>de</strong>spedaçadora:<br />
arsênico!... o único amigo que nesta crise me acompanha e me salva é um pouco <strong>de</strong><br />
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