18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Apesar, porém, <strong>de</strong> sua completa inação, era Cândido muito bem tratado no<br />

“Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”. Anacleto o distinguia da maneira mais positiva; há um mês<br />

apenas que vira esse mancebo e já parecia votar-lhe <strong>de</strong>cidida e forte amiza<strong>de</strong>.<br />

Mariana o cercava <strong>de</strong> atenções e cuidados; Celina o tratava com angélica doçura. E<br />

a socieda<strong>de</strong> que costumava reunir-se no “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”, acompanhava ou fingia<br />

acompanhar os donos da casa nos sentimentos que pareciam nutrir por Cândido.<br />

Um só homem do mancebo se afastava; um só homem ali concorria, que<br />

mostrava <strong>de</strong>sestimar o pobre mancebo: era Salustiano.<br />

Também <strong>de</strong> sua parte, Cândido pagava com extrema gratidão aquelas<br />

<strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> estima.<br />

Ao pé <strong>de</strong> Anacleto seu coração se abria todo a esse nobre e expansivo<br />

sentimento que se chama amiza<strong>de</strong>; sentimento elevado e belo, que um vil interesse<br />

não mingua e acanha, nem a baixeza do ciúme tolda e <strong>de</strong>genera.<br />

Contemplando Mariana, a acerbida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua melancolia se aplacava, se<br />

mudava quiçá em doce tristura; ele achava naquela mulher um encanto po<strong>de</strong>roso,<br />

que o convidava a amá-la não com esse extremo ardor com que se adora uma<br />

amante, mas com a afeição sossegada e benigna que se tributa a uma irmã... a uma<br />

boa amiga.<br />

Seguindo algumas vezes com os olhos a “Bela Órfã”, ele sentia... mas era esse<br />

o sentimento que ainda Cândido não ousara classificar. Ele olhava <strong>de</strong> relance<br />

apenas; ouvia-a com indizível enlevo; tinha <strong>de</strong> cor o eco <strong>de</strong> suas pisadas; mas não se<br />

atrevia a dizer a si próprio o que sentia por Celina.<br />

Ao resto da socieda<strong>de</strong> pagava Cândido cumprimento por cumprimento,<br />

<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za por <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za.<br />

Um só homem havia ali <strong>de</strong> quem o mancebo se afastava: era Salustiano.<br />

Antipatia inexplicável tinha entre eles dois levantado uma barreira, ou cavado um<br />

abismo.<br />

Por conseqüência, <strong>de</strong>vemos concluir que, apesar da presença <strong>de</strong> Salustiano, o<br />

coração <strong>de</strong> Cândido agradavelmente se dilatava naqueles serões?... Antes <strong>de</strong> assim<br />

concluirmos, cumpre primeiro lembrar-nos <strong>de</strong> que Cândido era um moço pobre e<br />

sem nome, e em seguida estudarmos a fisiologia do coração do pobre, e a fisionomia<br />

da socieda<strong>de</strong> em que ele vive; socieda<strong>de</strong> geralmente pervertida, que repele sem<br />

discutir a pobreza e o <strong>de</strong>svalimento.<br />

Estu<strong>de</strong>mos, pois, e comecemos pela socieda<strong>de</strong>.<br />

Pois que na vida moral e física do universo é tudo mais ou menos<br />

compensado, cumpria que, em paga <strong>de</strong> seus mil dissabores, provasse o homem<br />

pobre uma feliz compensação. Ele, que <strong>de</strong> tantas coisas carece na triste vida que<br />

vive; ele, verda<strong>de</strong>iro Tântalo, que vê no mundo um mar <strong>de</strong> gozos, e a nenhum <strong>de</strong>sses<br />

gozos po<strong>de</strong> tocar com os lábios; ele <strong>de</strong>via achar na socieda<strong>de</strong> daqueles que mais<br />

têm, uma hora <strong>de</strong> esquecimento daquilo que em vão <strong>de</strong>seja.<br />

Mas o que é que todos os dias estamos vendo?...<br />

Nós não queremos falar do homem intrometido que, pobre ou não, em toda<br />

parte aparece, arranca à força o seu quinhão em tudo, não querendo ver a cara má<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!