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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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– Com sistema, com arte, mesmo com esta nossa fraqueza, nós po<strong>de</strong>ríamos,<br />

apesar <strong>de</strong> tudo, valer muito, e conservar um po<strong>de</strong>r que fazemos por abandonar. Eu<br />

sou moça, mas observo; às vezes quando me rio, estou pensando bem seriamente.<br />

– E o que observas?... no que pensas?...<br />

– Observo o sistema <strong>de</strong> vida que seguem minhas camaradas logo que se<br />

casam, e penso que eu havia, que eu hei <strong>de</strong> seguir um outro bem diverso.<br />

– É um segredo que guardas para ti só?...<br />

– Não, eu o quisera dizer a todas as do meu sexo; ou me engano muito, ou<br />

faríamos uma revolução; d. Celina, eu sou reformista... quero a reforma do sistema<br />

doméstico.<br />

– Como é isso?...<br />

– Eu te vou dizer.<br />

– Espera... disse a “Bela Órfã” erguendo-se; não sentiste chegar alguém à<br />

porta do quarto?...<br />

– Não... mas vai ver sempre.<br />

Celina chegou à porta, olhou para um e outro lado, não viu ninguém.<br />

– Enganei-me, disse ela sentando-se <strong>de</strong> novo; fala agora, eu te escuto.<br />

Mariquinhas começou a discorrer:<br />

– D. Celina, eu não quero falar <strong>de</strong> uma moça que vive pobremente em<br />

solteira, e vai pobremente viver <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casada cercada <strong>de</strong> privações e <strong>de</strong> filhos.<br />

Para essa, a misericórdia <strong>de</strong> Deus e a virtu<strong>de</strong>, e gratidão <strong>de</strong> seu marido. Essa,<br />

coitadinha, já está por si mesma na posição em que mais se sofre física e<br />

moralmente, por si e por seus filhos. Eu quero somente falar naquelas que, po<strong>de</strong>ndo<br />

conservar-se <strong>de</strong> cima, no seio da felicida<strong>de</strong>, lançam-se por terra aos pés do<br />

infortúnio.<br />

– Pois bem, disse Celina.<br />

– Uma jovem senhora, bonita, moça como tu, ou como eu, que não é rica, mas<br />

que também não é pobre, que teve educação, que se estima, que é <strong>de</strong>licada, e que<br />

<strong>de</strong>seja fazer-se amar: o que faz ela?...<br />

– O que faz ela?... perguntou Celina repetindo a frase <strong>de</strong> Mariquinhas.<br />

– Encontrou um mancebo ar<strong>de</strong>nte, extremoso e belo; simpatizam ambos;<br />

falemos agora a verda<strong>de</strong>, d. Celina, como proce<strong>de</strong> a moça? <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong> seu toucador<br />

empenha todos os esforços para se tornar mais bela, seus cabelos estão sempre<br />

atados primorosamente... há perfumes nos seus vestidos, fogo em seus olhos, graça<br />

em seus sorrisos, espírito em suas palavras, amor em toda ela, diante <strong>de</strong>le canta<br />

apaixonadamente; para agradar-lhe estuda com fervor a música, o <strong>de</strong>senho, a<br />

literatura, a dança, tudo; consegue o belo triunfo, faz <strong>de</strong> um namorado um escravo;<br />

seus pais aplau<strong>de</strong>m a escolha <strong>de</strong> seu coração... esse homem é enfim seu marido.<br />

– E <strong>de</strong>pois?...<br />

– Depois?... essa moça não se lembra mais que a paixão esfria... oh! é<br />

incrível!... ela mesma trabalha involuntariamente por esfriá-la. De manhã seu<br />

marido a vê com os cabelos <strong>de</strong>sgrenhados diante <strong>de</strong>le, erguendo-se do leito com os<br />

pés nus... o piano passa fechado meses inteiros... o canto lhe <strong>de</strong>sagrada... o <strong>de</strong>senho<br />

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