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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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A velha pareceu não ter ouvido o que lhe acabava <strong>de</strong> dizer Celina e<br />

prosseguiu:<br />

– Em que pensará a menina <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos?... ela não é ainda esposa para<br />

cuidar na constância <strong>de</strong> seu marido, e observar como é que ele olha, como é que ele<br />

fala às outras senhoras; ela ainda não é mãe para entregar-se toda inteira ao cuidado<br />

<strong>de</strong> seus filhos, para viver para eles <strong>de</strong> dia, e velar por eles <strong>de</strong> noite; em que pensará<br />

pois, ali sentada ao pé <strong>de</strong> um belo moço, ou com ele passeando?... pensará nos<br />

vestidos <strong>de</strong> suas bonecas?... no romance que está lendo?... meditará sobre sua lição<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senho?... sobre a cavatina que nessa noite preten<strong>de</strong> cantar?... sobre seus<br />

enfeites para o próximo serão? Mas nisso não medita a moça tristemente. Há,<br />

porém, para a jovem <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos, que é ainda solteira, uma meditação<br />

acompanhada <strong>de</strong> tristeza, que não amarga, <strong>de</strong> melancolia que é doce como a<br />

sauda<strong>de</strong>, e que se chama – amor: – sim, minha filha! sempre que a moça solteira está<br />

meditando, medita sobre amor. Vós ambos meditáveis esta tar<strong>de</strong>, e estais meditando<br />

ainda agora sobre amor.<br />

– Senhora! exclamou Celina.<br />

– Minha mãe! exclamou Cândido.<br />

– Negais o que eu digo? perguntou a velha.<br />

– Nego, disse rapidamente o mancebo.<br />

– Enganou-se, respon<strong>de</strong>u com timi<strong>de</strong>z a moça.<br />

– Pois eu vou <strong>de</strong>monstrar que não; vou provar que conheço vosso coração<br />

mais do que vós mesmos; ou antes vou <strong>de</strong>monstrar isso somente à senhora, porque<br />

tu não po<strong>de</strong>s negar, Cândido.<br />

– Oh! minha mãe! por compaixão não abuse do meu estado!<br />

– Senhora, Deus e a educação da virtu<strong>de</strong>, tinha até bem pouco conservado o<br />

seu coração em toda a virginda<strong>de</strong> da inocência. Até bem pouco a senhora sabia o<br />

que era o galanteio; porque nesses poucos bailes a que tem ido, e nas reuniões que<br />

se fazem em sua casa, os cavalheiros que lhe cercam, lhe dizem finezas, e<br />

provavelmente a requestam; tem pois ouvido muito falar em amor; não o<br />

compreendia, porém, porque não o havia sentido. Corava pelo que lhe diziam, mas<br />

não corava <strong>de</strong> si; também é só assim que po<strong>de</strong> corar a inocência.<br />

Sem o pensar, Celina estava ouvindo atentamente o que dizia a velha.<br />

– Enfim, senhora, este mancebo apareceu, seu <strong>de</strong>svalimento, sua pobreza, a<br />

pali<strong>de</strong>z <strong>de</strong> seu rosto, que parece indicar íntimo sofrimento, sua melancolia habitual,<br />

que quase dá o caráter <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> à suspeita <strong>de</strong> suas penas, eram suficientes para<br />

recomendá-lo à alma das virtu<strong>de</strong>s; mas além disto seus tios o trataram com amiza<strong>de</strong><br />

e confiança; e sobretudo, a senhora quando o viu pela primeira vez, viu-o on<strong>de</strong>?...<br />

como?... viu do meio dos túmulos e <strong>de</strong> joelhos, orando junto à urna que guarda as<br />

respeitáveis cinzas <strong>de</strong> seus pais.<br />

– É verda<strong>de</strong>! é verda<strong>de</strong>!... exclamou a “Bela Órfã” com vivo acento <strong>de</strong><br />

gratidão.<br />

Uma onda <strong>de</strong> prazer indizível rolou sobre o coração do mancebo, e foi<br />

<strong>de</strong>sfazer-se em leve sorriso, que dilatou por um momento brevíssimo seus lábios.<br />

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