OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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Entre os novos concorrentes que a todo o instante formigavam, quatro vieram<br />
enfim que atraíram a atenção <strong>de</strong> muita gente. Eram um homem e uma mulher velha;<br />
e um homem e uma mulher moça.<br />
Vinham os dois últimos adiante, e seguidos pelos velhos. Tão facilmente se<br />
lia a serenida<strong>de</strong> no semblante <strong>de</strong>stes, como a perturbação no dos primeiros.<br />
Estava a moça muito corada, e quase ansiosa; e o moço pelo contrário, muito<br />
pálido, e como que abatido. Traziam ambos os olhos no chão, e não se diziam<br />
palavra. Eram porém ambos bonitos; a moça principalmente era muito bela.<br />
Vinha ela <strong>de</strong> vestido <strong>de</strong> escomilha cor-<strong>de</strong>-rosa e em corpinho, com os cabelos<br />
à napolitana; não trazia nem brincos, nem a<strong>de</strong>reço, nem pulseiras, mas sim<br />
lindíssimos braços nus, pois que o vestido era <strong>de</strong> mangas curtas, e ao mesmo tempo<br />
tão comprido, que apenas às vezes se <strong>de</strong>scobria a ponta envernizada <strong>de</strong> suas<br />
pequeninas botinas. Uma fita azul, larga <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>dos, e enlaçada na cintura, era ao<br />
<strong>de</strong>mais o seu único ornato.<br />
O moço vestia sobrecasaca e calças <strong>de</strong> merinó preto, gravata <strong>de</strong> mesma cor, e<br />
colete <strong>de</strong> fustão branco lavrado. Tinha fechando-lhe o peito da camisa, um simples<br />
botão <strong>de</strong> ouro pequenino e liso; trazia os cabelos muito curtos, chapéu <strong>de</strong> castor<br />
preto, e botins <strong>de</strong> couro <strong>de</strong> bezerro.<br />
A velha estava vestida toda <strong>de</strong> preto, e tinha na cabeça um chapelinho da<br />
mesma cor, mas <strong>de</strong> palha, com enfeites <strong>de</strong> fitas roxas.<br />
O ancião enfim, vinha <strong>de</strong> sobrecasaca <strong>de</strong> pano cor <strong>de</strong> rapé, gravata preta,<br />
colete e calças brancas, trazia uma grossa corrente <strong>de</strong> ouro, muito fora da moda,<br />
pren<strong>de</strong>ndo o relógio, e pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> uma fita negra, sua gran<strong>de</strong> luneta <strong>de</strong> aros <strong>de</strong><br />
prata. Tinha na cabeça um chapéu <strong>de</strong> patente, e calçava sapatos ingleses.<br />
Seguiram estas quatro personagens a rua, que em linha reta vai do portão do<br />
Passeio terminar-se no largo principal, e <strong>de</strong>fronte do outeiro artificial chamado<br />
comumente – Cascata. – De caminho foi o velho cumprimentado como amigo por<br />
alguns. Trazia a moça muito no chão os olhos para o ser também. Ninguém todavia<br />
<strong>de</strong>u sinal <strong>de</strong> conhecer a velha nem o moço.<br />
Os dois velhos conversando um com o outro sem cessar, nada ouviram do que<br />
se po<strong>de</strong>ria estar dizendo em <strong>de</strong>rredor <strong>de</strong>les. Outro tanto não acontecia aos mancebos<br />
que, em silêncio caminhando, tinham por conseqüência mais apurada a atenção.<br />
Já por vezes lhes tinha chegado aos ouvidos ora um elogio à beleza da jovem,<br />
ora as meias palavras e o ruído das risadinhas <strong>de</strong> duas moças ao apuridar-se; quando<br />
ao passarem por junto <strong>de</strong> dois mancebos, disse um <strong>de</strong>les:<br />
– Olha... aí vão dois irmãos ou dois noivos.<br />
– Nem uma nem outra coisa, respon<strong>de</strong>u-lhe o companheiro.<br />
– Por quê?<br />
– Porque se fossem irmãos conversariam, e se fossem noivos se estariam<br />
dizendo finezas.<br />
– Então são namorados.<br />
– É o mais provável.<br />
A perturbação do moço e da moça foi tão visível então, que não pô<strong>de</strong> escapar<br />
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