OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Mariana, com os olhos em fogo, e um sorrir nervoso, murmurou com voz<br />
trêmula e vagarosa:<br />
– Mancebo, sabes tu se eu sou tua mãe?!<br />
Cândido soltou um grito surdo, que lhe saiu do íntimo da alma.<br />
– Senhora, pela vida <strong>de</strong> seu pai, exclamou ele <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vencer a primeira e<br />
profundíssima impressão que as palavras <strong>de</strong> Mariana lhe produziram. Diga-me a<br />
verda<strong>de</strong>; <strong>de</strong> que ida<strong>de</strong> cometeu essa falta <strong>de</strong> que se acusa?...<br />
– Aos quinze anos, respon<strong>de</strong>u Mariana com tom grave.<br />
– Quinze para trinta e seis... vinte e um!... é a minha ida<strong>de</strong>!...<br />
– Sem dúvida: teria vinte e um anos! balbuciou lugubremente e a tremer a<br />
viúva.<br />
– Oh!... é certo!... a senhora <strong>de</strong>veria ter um filho?...<br />
– Deveria! respon<strong>de</strong>u Mariana; e tremia convulsivamente: <strong>de</strong>veria!<br />
E a idéia do maior dos seus crimes dava mil punhaladas no coração da infeliz<br />
mulher.<br />
– Meu Deus!... meu Deus!... quem sabe? quem me arranca <strong>de</strong>sta dúvida?...<br />
– Senhor, disse a viúva, não procurará aparecer a Celina?...<br />
– Não!... não!...<br />
– Está pronto a escrever o bilhete?<br />
– Sim... estou pronto.<br />
– Sente-se e escreva; eu dito.<br />
Cândido sentou-se; tomou papel e pena, e escreveu o que lhe ditou Mariana.<br />
Senhora. Eu parto; eu fujo para sempre <strong>de</strong> vossos olhos;<br />
tenho remorsos... fingia amar-vos... iludia uma inocente moça; os<br />
remorsos abriram-me os olhos. Perdoai aquele que antes quer<br />
parecer ingrato do que continuar a ser um monstro. – Cândido.<br />
O moço escreveu sem hesitar; assinou com a mão firme, fechou o bilhete, e<br />
voltando-se para a viúva entregou-o e disse:<br />
– Eis aí a morte do mais puro dos amores. Mas agora, em troco do que acabo<br />
<strong>de</strong> fazer, protesta dizer-me a verda<strong>de</strong> a respeito do que lhe vou perguntar?<br />
– E primeiro o senhor jura que cumprirá o que me prometeu, qualquer que<br />
seja a resposta que eu lhe <strong>de</strong>r?...<br />
– Juro.<br />
– Pela alma <strong>de</strong> seu pai?<br />
– Pela alma <strong>de</strong> meu pai.<br />
– Pelo amor <strong>de</strong> sua mãe?...<br />
– Pelo amor <strong>de</strong> minha mãe.<br />
– Bem: po<strong>de</strong> perguntar.<br />
– Senhora, diga-me, em nome do céu, é verda<strong>de</strong> tudo quanto dizia há<br />
pouco?...<br />
– É verda<strong>de</strong>.<br />
196