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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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amigos, votaram-se ambos a uma vida <strong>de</strong> prazeres e <strong>de</strong> loucuras, que eles não<br />

pensavam <strong>de</strong> acabar um dia. Os banquetes eram sucedidos por outros banquetes, e<br />

somente interrompidos pelas caçadas, pelas pescarias, e por mil outros prazeres.<br />

Levaram muito tempo assim, até que chegou um dia em que Pedro foi ter com o seu<br />

amigo, e disse-lhe:<br />

“– Paulo, temos andado mal; os meus bens chegam apenas para os meus<br />

credores.”<br />

“– Pedro, disse o outro, acordamos tar<strong>de</strong>; eu <strong>de</strong>vo também tudo quanto<br />

possuo.”<br />

“– Que faremos agora?”<br />

“– Primeiro que tudo pagar a quem <strong>de</strong>vemos.”<br />

– Os dois amigos chamaram os seus credores, satisfizeram suas obrigações<br />

como homens honrados que eram, e acharam-se com uma simples e pobre casinha<br />

para ambos, com uma mulher e um filho cada um <strong>de</strong>les, com duas espingardas, dois<br />

cães <strong>de</strong> caça, uma canoa, uma re<strong>de</strong> e mais nada.<br />

Sorriram ambos, olhando um para o outro, quando inventariaram os restos <strong>de</strong><br />

sua antiga riqueza.<br />

Os antigos companheiros <strong>de</strong> festas e <strong>de</strong> seus prazeres <strong>de</strong>sprezaram os dois<br />

amigos; eles riam-se ainda.<br />

Eram dois homens <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> coração, <strong>de</strong> muito orgulho, e <strong>de</strong> imenso valor.<br />

Pedro nada tinha que esperar; Paulo nunca se lembrou que lhe restava um tio.<br />

Unidos sempre, esses homens embarcavam-se na leve canoa, e os férteis rios<br />

do Brasil lhes davam peixe para suas mulheres e seus filhos.<br />

Outras vezes, seguidos dos dois únicos amigos que tinham ficado sempre<br />

fiéis, <strong>de</strong> seus dois cães, Pedro e Paulo embrenhavam-se nessas matas ver<strong>de</strong>-negras,<br />

que cobrem numerosas lagoas sem interrupção; aí, ao lado um do outro, com seus<br />

cães ao pé e suas espingardas no ombro, impávidos e frios, eles esperavam a hora<br />

em que começariam a combater com o tigre e o javali.<br />

Cem vezes Pedro salvou a vida <strong>de</strong> Paulo; cem vezes Paulo livrou da morte a<br />

Pedro; e <strong>de</strong>pois, rotos, feridos, cobertos <strong>de</strong> manchas <strong>de</strong> sangue, eles voltavam à sua<br />

pobre casinha curvados sob o peso das vítimas <strong>de</strong> seu valor e <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>streza.<br />

Mas um dia, no meio <strong>de</strong>ssa vida <strong>de</strong> trabalhos e <strong>de</strong> perigos, chega a notícia da<br />

morte do tio <strong>de</strong> Paulo, e outra vez a riqueza para este.<br />

Paulo era o her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> seu tio.<br />

“– Somos ricos outra vez, disse este ao seu amigo; vamos para nossa casa. E<br />

agora saberemos ajuntar para nossos filhos.”<br />

“– Vamos, respon<strong>de</strong>u Pedro sem vexame.”<br />

Começaram <strong>de</strong> novo os dois amigos a gozar vida <strong>de</strong> abundância e <strong>de</strong> sossego;<br />

porém nada mais <strong>de</strong> banquetes, nem <strong>de</strong> festas.<br />

E quando eles morreram <strong>de</strong>ixaram seus dois filhos unidos como se fossem<br />

dois irmãos gêmeos.<br />

O filho <strong>de</strong> Paulo tinha ficado rico, e o seu amigo era apenas senhor <strong>de</strong><br />

medíocres teres; mas essa diferença da fortuna não mudou nada a amiza<strong>de</strong> que os<br />

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