18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

disso, não é por minha causa que Salustiano aqui vem.<br />

– Por quem, então?...<br />

– Não fui eu que o convi<strong>de</strong>i, Mariana.<br />

A filha <strong>de</strong> Anacleto fez-se pálida <strong>de</strong> súbito, e levantando a cabeça, perguntou:<br />

– Que quer dizer o senhor?<br />

Ficou Anacleto em silêncio por alguns instantes. Suportou com imperturbável<br />

sangue frio o olhar vivo, ar<strong>de</strong>nte e penetrante <strong>de</strong> sua filha, fito em seu rosto, e<br />

<strong>de</strong>pois respon<strong>de</strong>u:<br />

– Nada.<br />

Mariana <strong>de</strong>ixou cair <strong>de</strong> novo a cabeça sobre a face palmar da mão, que ela<br />

estendia no peitoril da janela, e disse:<br />

– Felizmente que meu pai tendo a honra do inglês e do alemão, não tem<br />

contudo o egoísmo do primeiro.<br />

– E por quê?...<br />

– Porque a frieza do alemão, essa meu pai tem.<br />

Anacleto sorriu e <strong>de</strong>pois tomando um ar sério, falou à filha:<br />

– Enfim, Mariana, preciso é que nos compenetremos bem do que <strong>de</strong>vemos a<br />

essa menina que nos foi confiada. Lembra-te <strong>de</strong> que ela é uma órfã, e <strong>de</strong> que seus<br />

pais foram em vida amados pelo povo, e <strong>de</strong>ixaram um nome que é ainda hoje<br />

abençoado.<br />

– É verda<strong>de</strong>.<br />

– E portanto, nós temos primeiro sobre nossas cabeças Deus que nos observa<br />

atento. Porque órfão <strong>de</strong>ve ser, e é a criatura predileta da Providência. O órfão é a<br />

criatura isolada que não tem pai para velar no seu futuro, que não tem mãe para<br />

morrer por ela, e que portanto <strong>de</strong>ve ter os olhos <strong>de</strong> Deus fitos em sua fronte; fitos<br />

sobre seus tutores. Mariana, os olhos <strong>de</strong> Deus estão pois sobre nós ambos: velemos<br />

por Celina.<br />

– Sim... velemos.<br />

– Oh! e tenhamos compaixão... tenhamos pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses restos respeitáveis,<br />

<strong>de</strong>ssas cinzas amadas <strong>de</strong> um pai <strong>de</strong>svelado, <strong>de</strong> uma mãe extremosa, que a morte<br />

precoce arrebatou à sua filha. De <strong>de</strong>ntro do sepulcro seus esqueletos nos observam...<br />

e <strong>de</strong> cima... da eternida<strong>de</strong> suas almas nos acompanham, e vêem como cuidamos nós<br />

da sagrada <strong>de</strong>ixa que nos legaram. Mariana, velemos por Celina.<br />

– Sim, meu pai, é assim.<br />

– Oh! e tenhamos também cuidado com este povo que amou tanto aos pais da<br />

nossa pupila; não queiramos, ao passar pelo meio <strong>de</strong>le, ouvir suas maldições. Tu<br />

sabes como Celina é amada... tens ouvido que sua casa teve o nome <strong>de</strong> – Céu, e nós<br />

mesmos, acompanhando a gratidão popular, a chamamos “Bela Órfã”: até agora,<br />

pois, bênçãos... ah! temamos que chegue também uma hora <strong>de</strong> pragas. Mariana,<br />

velemos por Celina!<br />

– Sim... mas silêncio... eu sinto suas pisadas.<br />

Com efeito, Celina entrou nesse momento na sala, e dirigiu-se a seu avô.<br />

De ordinário melancólica, a melancolia era nela um encanto. Algumas vezes,<br />

29

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!