18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

– Que conselho, minha mãe!... não reparais que há veneno <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa taça<br />

<strong>de</strong> ouro que me trazeis aos lábios?... eu amar? um pobre amar? pois não vos<br />

lembrais <strong>de</strong> que a pobreza é como a morféia, repugnante e fatal?... a quem queríeis<br />

que eu amasse?... a uma moça <strong>de</strong>svalida e pobre, como eu; única que po<strong>de</strong>ria ter<br />

olhos para me olhar?... qual seria o resultado <strong>de</strong>sse amor?... cobri-la com meus<br />

andrajos?... dar-lhe meta<strong>de</strong> do pão <strong>de</strong> amargura, para matar-lhe a fome?... e um copo<br />

cheio <strong>de</strong> lágrimas para saciar-lhe a se<strong>de</strong>? haveria felicida<strong>de</strong> nesse amor?...<br />

– Abençoado fosse ele por Deus; que o trabalho do homem daria <strong>de</strong> sobra o<br />

que para viver-se é preciso.<br />

– Ou então, continuou Cândido sem aten<strong>de</strong>r à boa resposta que lhe <strong>de</strong>ra a<br />

velha; quereis que eu fosse por aí, com a mentira no coração e no rosto, farejar on<strong>de</strong><br />

houvesse um cofre <strong>de</strong> ouro pertencente a uma mulher bela ou não, que pouco<br />

importava isso; preten<strong>de</strong>sse agradar-lhe, e lhe jurasse amor e ternura, e iludisse a<br />

seus pais e a ela, e a arrastasse aos pés do altar, e mentisse perante Deus! e mentisse<br />

perante Deus, repito! Não, não, minha mãe, nem ao menos isso é possível; um<br />

homem pobre já não chega ao pé <strong>de</strong> uma mulher rica. A pobreza é a morféia.<br />

– Não se trata disso, Cândido, tornou Irias; é preciso somente que ames. Ama,<br />

pois pobre ou rica a mulher que amares, se for honesta e bela, far-te-á ditoso.<br />

– Ama!... disse o mancebo. Manda-se amar, como se o amor fosse o brinco <strong>de</strong><br />

um instante, como se o amor <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse <strong>de</strong> nós e não dos outros; oh! se fosse assim,<br />

eu não amaria nunca!<br />

– Então tu amas já?... perguntou Irias, fixando no mancebo seus olhos ver<strong>de</strong>s<br />

e brilhantes.<br />

– Quem disse que eu amava? respon<strong>de</strong>u Cândido enleado.<br />

– Amas já?...<br />

– Quereis zombar <strong>de</strong> mim outra vez, senhora?<br />

– Amas já?...<br />

– Minha mãe...<br />

– A verda<strong>de</strong>... a verda<strong>de</strong>... somente a verda<strong>de</strong>!...<br />

– Que quer dizer, pois, isto?<br />

– Amas já, Cândido?...<br />

– Não... disse tremendo o mancebo.<br />

– Tu me mentiste hoje pela primeira vez em tua vida, disse com austerida<strong>de</strong><br />

Irias.<br />

– Senhora!<br />

– Tu amas, e amas perdidamente.<br />

– Basta... basta <strong>de</strong> zombarias, respon<strong>de</strong>u Cândido perturbado.<br />

– Ao romper <strong>de</strong> todos os dias pela fresta daquela janela, tu segues com os<br />

olhos o objeto <strong>de</strong> teu amor...<br />

– Minha mãe!... minha mãe!... bradou o mancebo tão espavorido como se<br />

acabassem <strong>de</strong> romper o segredo <strong>de</strong> um crime horrível por ele perpetrado.<br />

– Tu amas a neta do sr. Anacleto! continuou Irias.<br />

– Silêncio!... balbuciou o infeliz.<br />

66

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!