18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

a criancinha <strong>de</strong> tua alma; ah! triste arbusto!... basta um instante <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> para<br />

que a tua flor caia por terra.<br />

E o meu amor é como a criancinha, ou como a flor, eu tremo.<br />

XI<br />

Eu sou como a pomba que geme solitária; eu o sou... é bem verda<strong>de</strong>!...<br />

Des<strong>de</strong> a noite <strong>de</strong> meus anos que nunca mais tornei a vê-lo; não será isso uma<br />

cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua parte?...<br />

Que lhe fiz eu?... amá-lo?... só se foi esse o meu crime; mas ah! não merecia<br />

tão forte castigo.<br />

Tenho chorado muito... já se me acabaram as lágrimas; agora escrevo, e agora<br />

compreendo que muitas vezes escrever é chorar com o coração.<br />

Ai <strong>de</strong> mim! nem tenho quem me console. A ninguém ouso dizer por que<br />

choro; ninguém saberá a causa <strong>de</strong> meus tormentos; zombariam <strong>de</strong> minhas lágrimas.<br />

Oh! é bem triste. Todos <strong>de</strong>vem ter pa<strong>de</strong>cido o que eu pa<strong>de</strong>ço. Todos têm<br />

coração. Todos <strong>de</strong>vem ter amado. Como é pois que se ousa ridicularizar as penas <strong>de</strong><br />

amor?... não zombam <strong>de</strong> si mesmo aqueles que zombam <strong>de</strong>las?<br />

E contudo eles se riem sempre!...<br />

Paciência; sofrerei tudo em silêncio. E se isto não é um tormento passageiro;<br />

se o meu amor tão novo, tão puro, tão extremoso foi morto por um ingrato,<br />

guardarei os restos <strong>de</strong>le no coração, chorarei com a minha alma <strong>de</strong> joelhos ao pé<br />

<strong>de</strong>sse coração, que foi a um tempo o berço e a sepultura <strong>de</strong>sse amor, como uma mãe<br />

extremosa chora abraçada com a urna on<strong>de</strong> guarda os ossinhos <strong>de</strong> seu primeiro filho.<br />

Tenho a cabeça perdida... falta-me às vezes o ar... às vezes os cabelos me<br />

pesam...<br />

A socieda<strong>de</strong> me aborrece... que tenho eu com os prazeres <strong>de</strong> toda essa<br />

gente!... ninguém me compreen<strong>de</strong> lá. Desejo estar só... muito só, conversando com<br />

as minhas sauda<strong>de</strong>s.<br />

Agora a minha amiga é a noite; quando a lua é cheia e o tempo está sereno, eu<br />

passo horas inteiras refletindo à janela <strong>de</strong> meu quarto.<br />

Nunca me acho só nessas horas; embaixo, no jardim, os favônios conversam<br />

com as flores ao mesmo tempo que eu falo com o meu coração.<br />

As flores respon<strong>de</strong>m aos favônios com a exalação <strong>de</strong> seus perfumes, como o<br />

coração me respon<strong>de</strong> com as suas sauda<strong>de</strong>s.<br />

É assim que passo as noites; os dias são muito tristes, porque já perdi meus<br />

antigos prazeres.<br />

Nem mesmo a música me agrada... se vou tocar, paro no meio <strong>de</strong> uma<br />

harmonia para embeber-me toda em um pensamento, que ela <strong>de</strong>safia.<br />

Não posso cantar... quase sempre choro. Agora, por exemplo, seria ocasião <strong>de</strong><br />

ir ouvir o velho Rodrigues cantar suas velhas baladas; era a hora da sesta. Não irei.<br />

Mas... lá soa a sua voz; ele canta...<br />

É o romance do botão <strong>de</strong> rosa...<br />

172

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!