OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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homens pareciam ter pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu marido; eu que via o monstro da calúnia<br />
erguer-se contra minha fama <strong>de</strong> esposa fiel; eu... eu sorria ou corava, à vista <strong>de</strong><br />
todos, quando o senhor se aproximava <strong>de</strong> mim ou me oferecia o braço convidandome<br />
para um passeio; porque, enfim, eu era sua escrava!... Em resultado o senhor era<br />
um homem infame e eu uma mulher covar<strong>de</strong>.<br />
– Vai-se fazendo tar<strong>de</strong>, senhora, tornou Salustiano.<br />
– Não havia, não podia haver amor entre nós. Des<strong>de</strong> o primeiro dia em que<br />
nos encontramos, eu o aborreci, e o senhor nunca chegou a amar-me. Por que, pois,<br />
fazia crer a seus companheiros <strong>de</strong> <strong>de</strong>vassidão, <strong>de</strong> orgias, e <strong>de</strong> calúnias, que eu era<br />
pouco fiel a meu esposo e sensível ao seu amor?... não sabe por quê?... o senhor era<br />
um homem infame! e eu por que não sabia vencer minha tão gran<strong>de</strong> fraqueza?... por<br />
que não mostrava ao mundo, a meu marido, a todos, o homem indigno que zombava<br />
<strong>de</strong> mim e trazia em torturas a minha vida?... eu já disse a razão ainda há pouco:<br />
porque eu era uma mulher covar<strong>de</strong>.<br />
– Lembre-se que é tar<strong>de</strong>, senhora!<br />
– E agora?... sabe o que se está passando entre nós?... persua<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> que eu<br />
não tenho já adivinhado a razão por que se atreve a exigir que seja expulso <strong>de</strong>sta<br />
casa um nobre mancebo, que tem sabido merecer nossa amiza<strong>de</strong>!... escute: há uma<br />
menina que é bela, bela com todo o esplendor e viço da mocida<strong>de</strong>; bela ainda mais<br />
por sua modéstia, e suas virtu<strong>de</strong>s; uma menina cujo nome o povo abençoa, e que<br />
todos como que <strong>de</strong> ajuste a julgam encantadora. É um coração virgem; e perturbar a<br />
tranqüilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse coração, ganhá-lo com sua linda inocência, é uma conquista que<br />
<strong>de</strong>ve encher <strong>de</strong> orgulho a qualquer <strong>de</strong>sses moços fátuos e sem moral, que <strong>de</strong>sonram<br />
a época em que vivem, fazendo glória da <strong>de</strong>sventura das mulheres. Pois bem: o<br />
senhor tem lançado os olhos sobre essa menina, que é minha sobrinha.<br />
– É verda<strong>de</strong>! exclamou Salustiano; eu a amo!<br />
– Amá-la! oh! não, senhor; não <strong>de</strong>sdoure assim o mais nobre dos sentimentos<br />
humanos... um homem vil não ama.<br />
– Senhora!<br />
– Mas, sendo por ora infrutíferos todos os seus esforços, conhecendo que até<br />
hoje nenhuma impressão tem feito no coração da mo<strong>de</strong>sta virgem, o senhor foi<br />
procurar uma coisa que explicasse essa indiferença <strong>de</strong> Celina, e lançou os olhos<br />
sobre um mancebo honrado, nobre, cheio <strong>de</strong> recomendáveis qualida<strong>de</strong>s, que não nos<br />
fez ainda um só momento arrepen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> o haver recebido em nossa casa. E julgando<br />
que esse moço é o único obstáculo a seus pretendidos triunfos, ousa vir aqui exigir<br />
<strong>de</strong> mim que lhe feche as portas <strong>de</strong> nossa casa! não é isso? não tenho adivinhado<br />
tudo?...<br />
– Sim... é isso mesmo: faz-se-me preciso que Cândido não volte mais nunca<br />
ao “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
– E acredita que Celina será por tal meio menos indiferente à sua improvisada<br />
paixão?... ah! senhor, a virtu<strong>de</strong> e um amor santo <strong>de</strong>ram o leite a essa menina. A<br />
natureza <strong>de</strong>la e a sua se repelem; lembre-se que ela é um inocente anjo, e que não há<br />
simpatia possível entre um bom anjo e um <strong>de</strong>mônio. E seria possível que nós lhe<br />
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