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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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por uma senhora à face <strong>de</strong> um cavalheiro eqüivalem à maior das afrontas que um<br />

homem po<strong>de</strong> fazer a outro... mas <strong>de</strong>ve rir-se... o senhor tem consciência <strong>de</strong> não ter<br />

generosida<strong>de</strong> nem honra.<br />

Salustiano continuava a rir.<br />

– O senhor se está aí rindo porque se persua<strong>de</strong> que sempre que estivermos<br />

juntos, haverá um senhor para mandar, e uma escrava para obe<strong>de</strong>cer, não é isso?...<br />

– Talvez.<br />

– Sim... talvez ainda por algum tempo, mas um dia...<br />

Aí se interrompeu Mariana, e encarando <strong>de</strong> perto Salustiano, prosseguiu:<br />

– Qual é porém a razão por que as portas <strong>de</strong>sta casa se hão <strong>de</strong> fechar a esse<br />

mancebo?... tem o senhor concebido algum projeto, diante do qual se levante ele?...<br />

que projeto é o seu, portanto? creio que ainda me assiste o direito <strong>de</strong> fazer tais<br />

perguntas.<br />

– E eu tenho a certeza <strong>de</strong> que não preciso <strong>de</strong>scobrir o alvo a que atiro, para ser<br />

satisfeito no que pretendo.<br />

– Ah! senhor! isso é já <strong>de</strong>mais.<br />

– Estou falando, senhora, na suposição tristíssima <strong>de</strong> que nenhum <strong>de</strong> nós tem<br />

pejo, e somos como dois sicários que tratam <strong>de</strong> um crime.<br />

– Oh! pois bem, exclamou com violência Mariana; vamos ao fim: pensa que<br />

não vejo o que se passa diante <strong>de</strong> meus olhos?... quer que lhe trace o painel <strong>de</strong> seu<br />

comportamento para comigo, e que lhe exponha seus últimos projetos?... ouça pois.<br />

Salustiano <strong>de</strong>scansou uma perna sobre a outra com inaudito sangue frio, e<br />

disse:<br />

– Ouvirei, senhora; note porém que se vai fazendo tar<strong>de</strong>.<br />

Mariana começou.<br />

– Um acaso funesto, um acontecimento talvez <strong>de</strong>terminado por Deus, para<br />

castigo <strong>de</strong> um crime que eu cometi, <strong>de</strong>pôs em suas mãos um documento que prova<br />

esse crime. Quando eu soube que semelhante documento existia em seu po<strong>de</strong>r, foi<br />

no meio <strong>de</strong> uma festa, no seio dos prazeres, dos quais o senhor mesmo me foi<br />

arrancar dizendo-me – és minha escrava!... – Oh! eu tremi realmente! e vejo bem<br />

que tinha razão <strong>de</strong> tremer: tremi, porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então havia no mundo um homem<br />

que possuía o meu fatal segredo; tremi, mas nunca pensei que esse homem abusasse<br />

tanto, e <strong>de</strong> maneira tão indigna, <strong>de</strong> uma pobre mulher sem <strong>de</strong>fesa.<br />

– Vai-se fazendo tar<strong>de</strong>, senhora, repetiu Salustiano.<br />

– Senhor, senhor; já se não lembra acaso do que conosco se passou nos<br />

primeiros tempos <strong>de</strong> nosso <strong>de</strong>sgraçado conhecimento?... lá nessas socieda<strong>de</strong>s que<br />

foram o meu <strong>de</strong>lírio, a minha fascinação; lá nessas assembléias eu me supunha<br />

admirada e querida; porque, confessarei tudo, tenho ainda hoje orgulho <strong>de</strong> ser bela;<br />

lá mesmo foi o senhor perturbar meus inocentes gozos; lá ostentou diante <strong>de</strong> seus<br />

amigos que merecia um amor que eu lhe não tinha, que eu lhe não podia dar; lá<br />

ostentou ter subjugado, ter conquistado o coração da mulher casada; e eu que<br />

observava isso, eu que sentia como as mulheres murmuravam contra mim, e os<br />

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