OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
o murmúrio <strong>de</strong>ssas palavras ditas <strong>de</strong> súbito... e não podia fazer outro tanto, porque,<br />
quem sabe se por única resposta a seus cumprimentos, Celina lhe perguntaria: –<br />
Quem és tu?...<br />
E suponhamos que, graças à sua virtu<strong>de</strong> e urbanida<strong>de</strong>, nada lhe dissesse<br />
Celina, não po<strong>de</strong>ria essa menina perguntar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si mesma: – Quem é ele?...<br />
E não basta simples suposição para fechar a boca do homem pobre e<br />
<strong>de</strong>sconhecido, que tem no coração um pouco <strong>de</strong>sse orgulho sagrado que todo o<br />
homem <strong>de</strong> honra se ufana <strong>de</strong> ter?...<br />
Portanto, os serões do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” não ofereciam a Cândido o encanto<br />
imenso que em outras circunstâncias lhe ofereceriam. A razão disso estava nele<br />
mesmo.<br />
Mas, enfim, um pouco à força dos convites <strong>de</strong> Anacleto, e das instigações da<br />
velha Irias, e um pouco à força dos convites e das instigações <strong>de</strong> seu próprio<br />
coração, Cândido era um dos mais assíduos freqüentadores do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> IX<br />
UM SERÃO DO “CÉU COR-DE-R<strong>OS</strong>A”<br />
A NOITE estava bela, a lua clara e brilhante e brisas suaves e frescas faziam<br />
esquecer a calma abrasadora <strong>de</strong> um dos primeiros dias <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, que acabara <strong>de</strong><br />
passar.<br />
Um grupo <strong>de</strong> curiosos e amadores tinha-se formado <strong>de</strong>fronte das janelas do<br />
“Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” e aplaudia os cantos agradáveis que ali eram entoados.<br />
Um velho guarda-portão estava sentado à porta do alpendre da casa feliz.<br />
Jacó e Helena observavam <strong>de</strong> suas janelas o que se passava e o que se dizia.<br />
Dentro do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” reinava a felicida<strong>de</strong> e borbulhava o prazer.<br />
Cerca <strong>de</strong> trinta pessoas entre senhoras e homens, gozavam o serão daquela noite.<br />
Mariana estava radiante porque <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong>la, e com os olhos embebidos em<br />
seu rosto, Henrique parecia crer-se ditoso.<br />
Salustiano não se mostrava ressentido disso, e fazia a corte exclusivamente à<br />
“Bela Órfã”.<br />
Cândido, um pouco afastado das senhoras, não parecia alegre nem triste; ia, a<br />
pesar seu, bebendo a largos tragos o terrível veneno d’alma que se bebe pelos olhos<br />
e se concentra no coração. Sem o sentir, ele ficava às vezes em êxtase,<br />
contemplando Celina do mesmo modo que pelo pensamento se prendia à vida <strong>de</strong>la<br />
inseparáve1, como a sombra <strong>de</strong> seu corpo. Longe da “Bela Órfã”, receando<br />
aproximar-se, esquecia-se <strong>de</strong> si próprio em aéreas meditações; ou outras vezes<br />
<strong>de</strong>spertava cruelmente sacudido pela mão espinhosa do ciúme, que lhe mostrava um<br />
jovem conversando a sós com Celina, ou sorrindo para ela.<br />
Os sinos tocaram nove horas.<br />
– Oh! bem, disse Mariana. Há uma hora que cantamos; <strong>de</strong>ixemos <strong>de</strong>scansar<br />
aqueles que nos ouviram, conversemos também.<br />
43