OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Mas vós também estais tristes, e todavia vossa tristeza em nada se po<strong>de</strong><br />
parecer com a nossa! o que vos acanha, meus filhos?... não po<strong>de</strong>is chorar o que nós<br />
choramos, porque não bebestes na taça <strong>de</strong> nossos gozos: chorais sobre o presente<br />
porventura?... porém, meus filhos, não sentis que o futuro se está sorrindo sempre<br />
para a mocida<strong>de</strong>?...<br />
– Às vezes não, disse o mancebo falando pela primeira vez.<br />
– Ás vezes não?! tornou Anacleto. Sim; ele tem razão: às vezes parece que o<br />
homem traz <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do ventre materno a sina <strong>de</strong> sofrer sempre, <strong>de</strong> sempre chorar,<br />
e não rir nunca nem uma só vez na vida! Mas será crivel que o senhor pertença ao<br />
número <strong>de</strong>sses homens <strong>de</strong>sgraçados?...<br />
– Pertenço, sr. Anacleto, respon<strong>de</strong>u Cândido, pertenço a número daqueles que<br />
sofrem... e calam.<br />
Anacleto olhou com interesse para o mancebo, e não julgando a propósito<br />
encetar uma conversação sobre tal assunto naquele lugar, disse pouco <strong>de</strong>pois:<br />
– Meus filhos, passeai... se amais a multidão, lá está terraço cheio <strong>de</strong> povo; se<br />
preferis o silêncio, ten<strong>de</strong>s as alamedas sombrias... i<strong>de</strong>...<br />
– E vós, meu avô?... perguntou Celina.<br />
– Eu fico. Tenho muito <strong>de</strong> que falar à sra. Irias. Somos dois velhos que<br />
estamos voltados para o passado; i<strong>de</strong> vós, pois, que ten<strong>de</strong>s o rosto para o porvir.<br />
– Oh! não, tornou a moça; nós queremos ficar e ouvir-vos... preferimos isso...<br />
Anacleto pegou levemente na mão <strong>de</strong> Celina, fez com que a moça se<br />
erguesse, e entregando-a a Cândido, disse:<br />
– Não, eu quero ficar só com a sra. Irias; e o sr. Cândido, Celina, é um<br />
cavalheiro honrado e nobre, que po<strong>de</strong> passear a sós contigo. I<strong>de</strong>!<br />
Celina tocou com a ponta <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>dinhos o braço que lhe oferecia Cândido,<br />
e saíram ambos do caramanchel; ela, como no princípio, muito corada, e ele muito<br />
pálido.<br />
Foram os dois mancebos para o caminho do terraço; a multidão pareceu talvez<br />
a ambos uma <strong>de</strong>fesa contra sua própria perturbação. Quando eles subiam a escada<br />
do extremo direito do terraço, Irias ainda tinha sobre ambos fitos os olhos, e os<br />
acompanhava com um sorrir eloqüente; mas ao vê-los chegar ao último <strong>de</strong>grau,<br />
Anacleto esten<strong>de</strong>ndo o braço, e apontando para Cândido, disse a Irias:<br />
– Estamos em completa liberda<strong>de</strong>; e eu posso <strong>de</strong>svanecer-me <strong>de</strong> merecer a sua<br />
confiança. Diga-me, senhora, quem é aquele mancebo que leva pelo braço minha<br />
pupila e neta?...<br />
– O que quer saber, senhor? pergunta-me pela história <strong>de</strong> sua vida, ou por<br />
suas qualida<strong>de</strong>s?...<br />
– Penso ter bem apreciado as últimas; mas ignoro tudo da primeira.<br />
– Também o que eu sei não po<strong>de</strong>rá satisfazer-lhe.<br />
– Diga-me sempre.<br />
Começou Irias a falar, em voz porém tão baixa, que não a pu<strong>de</strong>mos ouvir.<br />
No entanto, Cândido e Celina tinham-se entranhado no coração da multidão.<br />
Nas portas dos torreões, sobre os bancos <strong>de</strong> mármore e azulejos que entremeiam a<br />
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