OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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faltasse, um vaso <strong>de</strong> flores naturais à mesa.<br />
– O que é isto, minha mãe?... perguntou Cândido sorrindo.<br />
– É uma noite <strong>de</strong> prazer, meu filho, respon<strong>de</strong>u a velha; e graças a Deus que o<br />
teu rosto se está parecendo com o meu coração; sorriem ambos. Estás alegre hoje?...<br />
– Oh! muito! muito!... tanto que tenho medo do meu prazer.<br />
– Por quê?...<br />
– Porque receio sentir-me dobradamente infeliz ao <strong>de</strong>pois.<br />
– E qual é o motivo <strong>de</strong> tua inesperada alegria hoje?...<br />
– Minha mãe, eu vos peço perdão; mas é um segredo do meu coração.<br />
– Pois bem... eu o respeito.<br />
– E será igualmente um segredo do vosso, o prazer que vos transpira no rosto<br />
e que em tudo mais se <strong>de</strong>monstra em nossa velha casa?...<br />
– Segredo ou não... eu to direi.<br />
– Quando?...<br />
– Mais tar<strong>de</strong>.<br />
– Bem... esperarei; mas dir-me-eis hoje?<br />
– Sim; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cearmos.<br />
– Pois ceemos.<br />
A velha e o moço sentaram-se, e começaram a comer com a melhor vonta<strong>de</strong>.<br />
– Minha mãe, disse Cândido, nunca me senti tão feliz!...<br />
– Nem eu tão alegre, meu filho; bendito seja Deus!...<br />
– Qual <strong>de</strong> nós terá razão?<br />
– Nós ambos.<br />
Acabado o primeiro prato, a velha encheu os copos, e disse:<br />
– Cândido, bebamos este copo <strong>de</strong> vinho pela causa do meu prazer e pela tua<br />
ventura.<br />
– Oh! sim! minha mãe!...<br />
– À saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta feliz noite! exclamou a velha com as lágrimas nos olhos.<br />
– Sim... sim; e também à felicida<strong>de</strong> da tar<strong>de</strong> que passou!<br />
Os copos esvaziaram-se.<br />
A ceia prolongou-se até às nove horas. A velha e o mancebo conversavam<br />
alegremente. Nunca uma noite igual se havia passado no “Purgatório-trigueiro”.<br />
Quando terminada a ceia, a velha escrava <strong>de</strong> Irias acabava <strong>de</strong> retirar-se,<br />
Cândido lembrou à sua mãe adotiva a promessa que lhe tinha feito.<br />
– Já ceamos, minha mãe; e eu estou ansioso <strong>de</strong> conhecer o vosso segredo.<br />
– Ainda não... creio que ainda é cedo. Que horas serão?...<br />
– Mais <strong>de</strong> nove.<br />
– Pois espera até as onze.<br />
– Por que então?<br />
– É uma puerilida<strong>de</strong>. Quero começar a falar às mesmas horas em que me<br />
bateram à porta.<br />
– Em que vos bateram à porta?...<br />
– Sim.<br />
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