OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Sentaram-se ambos muito perto um do outro. Houve um curto silêncio, e<br />
Salustiano falou primeiro:<br />
– Enfim, estamos um momento a sós, minha senhora!<br />
– É verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>u com voz segura Mariana, eu preparei este momento.<br />
– Como?...<br />
A viúva levantou-se, foi fechar a porta da sala, e tomando <strong>de</strong> novo o seu<br />
lugar:<br />
– O senhor mo havia exigido, disse; no serão <strong>de</strong> anteontem <strong>de</strong>spediu-se <strong>de</strong><br />
mim com estas palavras: “<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã, às cinco horas da tar<strong>de</strong>!” não foi<br />
assim...<br />
– Ah! Sim... creio que sim, respon<strong>de</strong>u Salustiano, fingindo que se lembrava.<br />
– E eu para obe<strong>de</strong>cer-lhe, menti a meu pai; convi<strong>de</strong>i-o para passear hoje à<br />
tar<strong>de</strong>, e na hora <strong>de</strong> sair queixei-me <strong>de</strong> um pequeno incômodo, e forcei-o com rogos a<br />
fazer o passeio só com minha sobrinha.<br />
– V. Exa. é a mesma bonda<strong>de</strong>!... disse o moço com insolente ironia.<br />
– Oh! não! senhor; falemos seriamente; não há bonda<strong>de</strong> da minha parte, nem<br />
poli<strong>de</strong>z da sua. O caso é simples: aqui está um senhor e uma escrava.<br />
A firmeza com que Mariana pronunciou essas palavras obrigou Salustiano a<br />
fazer um movimento <strong>de</strong> admiração.<br />
– Porque, continuou ela, eu compreendo perfeitamente o que sejam as<br />
cerimônias, e as etiquetas em uma assembléia; mas quando se acham a sós, e cara a<br />
cara, duas pessoas que se procuraram adre<strong>de</strong> para tratar <strong>de</strong> uma questão cuja base,<br />
apesar <strong>de</strong> ser um segredo, é <strong>de</strong> ambos conhecida, para que, senhor, estar com vãs<br />
palavras encobrindo uma triste verda<strong>de</strong>?... para que vestir em belas roupas um<br />
horrível esqueleto?...<br />
Mas enquanto Mariana assim se exprimia, retomara Salustiano seu sangue frio<br />
habitual, e já com seu insolente e costumeiro sorriso nos lábios, respon<strong>de</strong>u em tom<br />
<strong>de</strong> gracejo.<br />
– É, minha senhora, que eu tenho minhas tendências para diplomata.<br />
– Menos isso, senhor, tornou Mariana; po<strong>de</strong> sim um homem, imprevistamente<br />
dono do segredo <strong>de</strong> uma mulher, impor-lhe, por preço <strong>de</strong> seu silêncio, condições<br />
indignas; isso será apenas vilania... baixeza <strong>de</strong> alma; mas ridicularizar essa mulher,<br />
senhor?! oh já não é só vilania, é infâmia!<br />
– Senhora! disse Salustiano.<br />
– E preciso é que me conheça bem, que faça justiça a meu caráter. Se tenho<br />
tremido, se me tenho humilhado a seus olhos nas socieda<strong>de</strong>s, é porque me curvo<br />
ante a pureza dos outros, e nunca porque dobre os joelhos ao seu po<strong>de</strong>r. Quando<br />
estivermos sós, eu hei <strong>de</strong> conservar-me sempre na minha posição, alta, elevada<br />
muito sobre a sua; porque a vítima é sempre menos infame do que o algoz. A quem<br />
eu temo, a quem eu respeito, não é o senhor, é as almas nobres.<br />
– Senhora!...<br />
– Nada <strong>de</strong> falsas posições entre nós, continuou a viúva: o que somos ambos,<br />
83