OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– Oh!<br />
– Envolvia-se em uma mantilha: era com efeito uma mulher.<br />
– Está bem certo disso?<br />
– Sim; o andar era majestoso e engraçado... aquela mulher nunca tinha usado<br />
mantilha.<br />
– Por quê?<br />
– Porque envolvia-se nela como em um xale. Mas o andar, que era majestoso<br />
e engraçado, era ao mesmo tempo tão <strong>de</strong>licado, as passadas tão curtas e ligeiras, que<br />
não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser o andar <strong>de</strong> uma mulher.<br />
– Bem; e <strong>de</strong>pois?<br />
– Foi direitinha à porta do “Purgatório-trigueiro”.<br />
– Ah!<br />
– Tirou <strong>de</strong>baixo da mantilha e esten<strong>de</strong>u para fora um lindo braço, e com<br />
formosa mão...<br />
– Então viu também que o braço era lindo, e a mão formosa?<br />
– Sem dúvida; porque em um dos <strong>de</strong>dos <strong>de</strong>ssa bela mão havia um anel <strong>de</strong><br />
brilhantes.<br />
– Oh! que homem admirável; até nisso reparou! como pô<strong>de</strong> ver esse anel?<br />
– Brilhou, como só brilha uma pedra <strong>de</strong> alto preço.<br />
– Está bom... <strong>de</strong>ixemos o anel.<br />
– Ao contrário: o anel é uma circunstância muito importante. Ele só, vale uma<br />
prova no libelo acusatório.<br />
– Por quê?<br />
– Porque a viuvinha recebeu há três dias da mão <strong>de</strong> seu noivo um anel <strong>de</strong><br />
brilhantes, e não o tirou mais do <strong>de</strong>do.<br />
– Como soube disso?<br />
– Uma escrava da viuvinha o contou lá à senhora.<br />
– Por conseqüência?<br />
– Por conseqüência recaem todas as suspeitas sobre a viúva.<br />
– E que mais?<br />
– A mulher <strong>de</strong> mantilha bateu à porta do “Purgatório-trigueiro”, abriram-lha,<br />
ela entrou, e esteve lá mais <strong>de</strong> uma hora.<br />
– E <strong>de</strong>pois?<br />
– Voltou para o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
– Não sabe mais nada?<br />
– Sei que a tal senhora tirou a mantilha <strong>de</strong>ntro do “Purgatório-trigueiro”.<br />
– Isso importa pouco; mas como o soube?...<br />
– Porque, quando ela foi para lá, a mantilha arrastava pelo lado esquerdo, e<br />
quando voltou, estava muito mais curta <strong>de</strong>sse lado, e ia varrendo a rua pelo outro.<br />
– Sabe só isso?<br />
– Não: sei ainda mais alguma coisa.<br />
– Vá dizendo.<br />
– O velho coruja vai todos os dias conversar com a velha bruxa.<br />
199