OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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meios <strong>de</strong> que ela se serviu para enca<strong>de</strong>á-lo quando se amavam solteiros?... quando<br />
<strong>de</strong> manhã aparecer-lhe, apareça-lhe penteada, vestida com simplicida<strong>de</strong>, mas sem<br />
negligência, com seu vestido apertado, fresca, louçã e bela, que, ou eu me engano<br />
muito, ou ganhará um abraço <strong>de</strong> seu esposo; gostava ele <strong>de</strong> ouvi-la cantar?... pois<br />
cante ainda, e cada vez mais aprimore sua voz. Dava-lhe prazer o piano? a harpa?...<br />
pois estu<strong>de</strong> novas músicas, e em relação com o gosto do homem que ama; e<br />
converse com ele como dantes, meiga e pudibunda, e ao mesmo tempo amorosa; e,<br />
finalmente, sem <strong>de</strong>ixar-se cair no ridículo (que seria então muito pior), obrigue a seu<br />
marido a ser ainda seu namorado à força <strong>de</strong> namorá-lo. Seria isto um impossível?...<br />
– Eu não sei, mas, fala ainda.<br />
– E sobretudo o pudor, d. Celina!... o pudor da senhora casada não <strong>de</strong>ve<br />
diferir muito do pudor <strong>de</strong> uma virgem; <strong>de</strong> cada vez que uma esposa se veste diante<br />
<strong>de</strong> seu marido, per<strong>de</strong> um ano do fogo <strong>de</strong> amor.<br />
– Oh! <strong>de</strong>ve ser assim!<br />
– O amor vive <strong>de</strong> mistérios, <strong>de</strong> imaginação, <strong>de</strong> segredos, <strong>de</strong> véus, <strong>de</strong><br />
dificulda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> oposição e <strong>de</strong> fogo; a realida<strong>de</strong> é fria como o gelo, a realida<strong>de</strong> o<br />
mata; a esposa <strong>de</strong>ve aparecer aos olhos do esposo sempre pudibunda e recatada.<br />
Esse pudor, esse recato, esse rosto que cora, é uma espada cujo gume não se dobra<br />
nunca; assim ela será sempre bela, sempre nova para seu marido, cuja imaginação<br />
lhe dirá que ele não a compreen<strong>de</strong>u toda ainda, que o seu tesouro <strong>de</strong> inocência é<br />
inesgotável... e o amor não se há <strong>de</strong> acabar nunca, se na mulher houver sempre esse<br />
pudor que arremeda o da virgem, e no esposo houver sempre esse respeito que<br />
jamais falta a um homem <strong>de</strong>licado. O rubor da face <strong>de</strong> uma moça é tudo; uma<br />
senhora que cora ouvindo votos <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> seu marido, não po<strong>de</strong> recear nem frieza,<br />
nem indiferença.<br />
– Oh! D. Mariquinhas, exclamou Celina muito seriamente, d. Mariquinhas, tu<br />
és sábia.<br />
Escutando a ingênua exclamação <strong>de</strong> Celina, Mariquinhas <strong>de</strong>satou a rir.<br />
– Então eu te faço rir?...<br />
– Pois então?... não me chamaste sábia?<br />
– Mas é que tu dizes coisas que <strong>de</strong>vem ser bem verda<strong>de</strong>iras.<br />
– Estimo que te aproveitem.<br />
– A mim?<br />
– Sim, algum dia po<strong>de</strong>rão aproveitar-te.<br />
A “Bela Órfã” sacudiu tristemente a cabeça e respon<strong>de</strong>u:<br />
– A mim, não.<br />
– E por quê?...<br />
– Porque eu não me hei <strong>de</strong> casar.<br />
– Ah! queres ser freira? tens vocação para o claustro?<br />
Celina abaixou a cabeça.<br />
– Dizem os homens que as moças têm duas maneiras muito notáveis <strong>de</strong><br />
respon<strong>de</strong>r afirmativamente; que quando abaixam a cabeça e guardam silêncio, ou<br />
quando respon<strong>de</strong>m simplesmente – não sei, – querem dizer que sim; mas eu sou<br />
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