OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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V<br />
Passou-se um ano.<br />
Um ano <strong>de</strong> lágrimas é muito tempo: é um século.<br />
Passou-se mais tempo ainda; chegou o dia <strong>de</strong> finados.<br />
Fui rezar no túmulo <strong>de</strong> meus pais.<br />
Rezavam lá...<br />
Oh! se soubessem como um coração <strong>de</strong> filha agra<strong>de</strong>ce uma oração que se reza<br />
por seus pais!...<br />
Rezavam lá!... uma mulher e um homem.<br />
A mulher era uma velha que eu conhecia; o homem não.... eu o via então pela<br />
primeira vez.<br />
Mas esse homem... a velha ergueu-se, e eu lancei-me <strong>de</strong> joelhos no mesmo<br />
lugar que ela havia ocupado.<br />
Fiquei junto <strong>de</strong>sse homem que rezava por meus pais...<br />
Oh! pela primeira vez que nos encontrávamos na vida, nossos pensamentos se<br />
uniam, se misturavam, e subiam juntos ao céu tão iguais... tão parecidos, como dois<br />
irmãozinhos gêmeos!...<br />
Oh!... nós não nos havíamos visto nunca, não nos tínhamos olhado ainda, e<br />
nossas almas se correspondiam já, falando a linguagem do Senhor... rezando...<br />
Ele ergueu-se enfim... e fugiu. Eu senti que ele chorava e soluçava.<br />
Eu não sabia se ele era moço ou velho, bonito ou feio, rico ou pobre... e<br />
contudo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento eu amei esse homem.<br />
Amei esse coração generoso que se fora ajoelhar junto ao túmulo <strong>de</strong> meus<br />
pais!<br />
Esse homem amava portanto meus pais!<br />
Era pois meu irmão no amor, meu irmão nas lágrimas e nas orações; quero...<br />
<strong>de</strong>vo amá-lo. O mais sagrado dos laços uniu-nos aos olhos <strong>de</strong> Deus à face <strong>de</strong> um<br />
túmulo.<br />
Eu o amo.<br />
Quem é ele?...<br />
VI<br />
Enfim, já pu<strong>de</strong> vê-lo <strong>de</strong> perto. Veio visitar-nos, acompanhando a velha Irias.<br />
Ele é moço e pálido, é triste e mo<strong>de</strong>sto; é belo.<br />
Parece que escon<strong>de</strong> no coração um gran<strong>de</strong> tormento, que ninguém<br />
compreen<strong>de</strong>, e que ele abafa.<br />
Pálido, triste e silencioso, sua figura tem um não sei quê <strong>de</strong> gracioso e<br />
fantástico, que toca na alma e faz ar<strong>de</strong>r a imaginação.<br />
Se ele passa por diante <strong>de</strong> vós, sem querer vós vos lembrais da sombra <strong>de</strong> um<br />
ramo <strong>de</strong> palmeira, quando um ramo <strong>de</strong> palmeira, em noite <strong>de</strong> claro luar, é impelido<br />
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