OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
uma criança.<br />
Depois eu fiz treze anos, e na noite em que eu fiz treze anos, tive um sonho<br />
com flores: sonhei com um botão <strong>de</strong> rosa.<br />
Que sonho!... é uma das doces recordações do meu passado; eis aqui como foi<br />
o meu sonho.<br />
-----------------------------------------------------------------------------------<br />
-----------------------------------------------------------------------------------<br />
III<br />
Eu pois acabava <strong>de</strong> fazer treze anos: era ainda como a flor que se <strong>de</strong>sabotoa.<br />
Mas quando completei o terceiro lustro, a morte esvoaçou ao redor <strong>de</strong> mim, e<br />
não me feriu, nem me matou. Oh! eu minto: matou-me duas vezes, porque <strong>de</strong> um só<br />
golpe me arrancou pai e mãe.<br />
Por que não fui eu que morri, meu Deus?... eu, que nada era, nada sou, que<br />
nada serei no mundo?<br />
Eu, que nesse tempo tinha somente sorrisos para a vida, e que, apesar disso,<br />
morreria sorrindo também; porque creio em Deus que me há <strong>de</strong> salvar!<br />
Oh! que hora tremenda foi essa, em que eu tive <strong>de</strong> receber duas solenes<br />
bênçãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida, lançadas pelas mãos já frias <strong>de</strong> meu pai e <strong>de</strong> minha mãe!<br />
Oh! que hora tremenda foi essa, em que eu tive <strong>de</strong> partir em dois pedaços um<br />
a<strong>de</strong>us <strong>de</strong> agonia!<br />
Não se morre <strong>de</strong> dor.<br />
Eu vi morrer ambos... meu pai e minha mãe. Eu vi... e não morri então; eu os<br />
estou vendo... e não morro ainda.<br />
Eu estava... tinham-me posto <strong>de</strong> joelhos junto ao leito <strong>de</strong> meu pai; era a hora<br />
terrível.<br />
Meu pai voltou o semblante para mim e fitou os olhos no meu rosto...<br />
Seus olhos brilhantes e pasmos pareciam querer saltar das órbitas sobre mim...<br />
oh! se ele não fora meu pai eu teria tido medo daquele olhar.<br />
Sua boca se entreabria... seus lábios se moviam; mas ah! o <strong>de</strong>sgraçado não<br />
podia falar.<br />
Olhou... esteve assim olhando muito tempo... muito tempo, até que... oh! meu<br />
Deus!...<br />
Duas lágrimas límpidas e brilhantes ficaram pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> suas pálpebras...<br />
sua mão direita apertou o peito no lugar do coração, e... sempre me olhando...<br />
sempre me olhando, meu bom pai expirou.<br />
A vida... a alma lhe saiu pelos olhos. Oh! sim! porque ele morreu olhando<br />
para sua filha.<br />
Lancei-me sobre o cadáver <strong>de</strong> meu pai: arrancaram-me daí; e sabeis para<br />
quê?... para ver morrer minha mãe.<br />
Pobre <strong>de</strong> minha infeliz mãe!... não estava em si quando eu me ajoelhei junto<br />
<strong>de</strong>la; <strong>de</strong>lirava.<br />
Começou a brincar com os meus cabelos; passou <strong>de</strong>pois os <strong>de</strong>dos sobre meus<br />
165