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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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A meditação pertence à velhice; e todavia aqueles dois mancebos, com os<br />

olhos no céu e o coração na terra, meditavam também.<br />

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Celina e Cândido começavam a pagar um tributo sagrado que à natureza se<br />

<strong>de</strong>ve... sem querer... sem pensar em tal, eles <strong>de</strong>viam pren<strong>de</strong>r-se pelos pensamentos<br />

primeiro, e finalmente pelo coração...<br />

Tinham-se retirado as visitas, os amigos que haviam formado o último serão<br />

do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”; a “Bela Órfã” achava-se enfim a sós no seu quarto, on<strong>de</strong> duas<br />

horas antes contara a suas amigas o sonho do botão <strong>de</strong> rosa...<br />

Três anos antes, também em uma noite, ela conversara com duas amigas, e<br />

<strong>de</strong>pois viera <strong>de</strong>itar-se pensativa e triste como o fizera agora<br />

Mariana entrou no quarto <strong>de</strong> Celina, e abrindo as cortinas do leito, <strong>de</strong>u-lhe um<br />

beijo e disse:<br />

– Dorme bem, Celina.<br />

E retirou-se. Uma lágrima rolou pelas faces da “Bela Órfã”.<br />

Três anos antes ela estava <strong>de</strong>itada como então, e fora sua mãe quem lhe viera<br />

beijar, e dissera:<br />

– Dorme bem, Celina.<br />

A semelhança <strong>de</strong>ssas duas noites, a coincidência dos fatos, excitaram tanto a<br />

imaginação da moça, como a entristecia a diferença que ela notava em algumas das<br />

pessoas que representavam nesses fatos.<br />

E como há três anos antes, ela ficou refletindo, não querendo refletir; primeiro<br />

muito triste... muito triste, pensando em seus pais que já não viviam... e <strong>de</strong>pois<br />

levada por sua alma muito longe... muito longe... como a flor que cai na torrente, e<br />

que por ela é carregada até on<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> prever...<br />

Depois ela se lembrou <strong>de</strong> seu sonho... seu belo sonho, em que um envoltório<br />

<strong>de</strong> pétalas <strong>de</strong> rosa lhe escondia o coração, e um anjo com o rosto <strong>de</strong> sua mãe velara<br />

por ela.<br />

A “Bela Órfã” teve vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sonhar <strong>de</strong> novo... fechou os olhos, ao menos<br />

para ver sua mãe com vestes <strong>de</strong> querubim.<br />

As diversas cenas daquele sonho <strong>de</strong> virgem, que todo transpirava anjos,<br />

inocência e flores, se foram representando na imaginação fervente da “Bela Órfã”<br />

como se ela estivesse vendo tudo...<br />

Primeiro o formoso prado <strong>de</strong> tapete cor <strong>de</strong> esmeralda, com seu outeirinho<br />

ver<strong>de</strong> e caramanchão florido, com seus montes <strong>de</strong> palmeiras, e seu lago <strong>de</strong> águas<br />

límpidas e <strong>de</strong> areias <strong>de</strong> ouro.<br />

Depois a multidão <strong>de</strong> encantadores meninos com suas cestas <strong>de</strong> flores, e a<br />

música que vinha do céu, os perfumes que embriagavam...<br />

Depois o seu coração arrancado, plantado e regado com suas lágrimas, e as<br />

risadas dos meninos que fugiam...<br />

Depois o anjo com o rosto <strong>de</strong> sua mãe, que vinha velar pelo seu tesouro,<br />

guardar o coração <strong>de</strong> sua filha.<br />

E a roseira que crescia... e os botões que nasciam...<br />

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