OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
a casa em que existe uma senhora que não é casada, não pergunta o motivo <strong>de</strong> suas<br />
visitas, não indaga a origem das relações que existem, brada, insulta, calunia!<br />
– Que quer dizer, minha senhora?...<br />
– Quero dizer que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras visitas que do senhor recebemos graças,<br />
eu me ufano <strong>de</strong> o <strong>de</strong>clarar a todos, graças a nossos reiterados convites, minha<br />
sobrinha e o senhor tem sido vítimas da aleivosia.<br />
– É possível?!<br />
– Ousam dizer que Celina e o senhor se amam e se correspon<strong>de</strong>m, e que meu<br />
pai e eu protegemos esse amor...<br />
– Mas é uma infame calúnia!... exclamou Cândido.<br />
– E que importa ao mundo que murmura que o senhor e nós todos juremos<br />
que isso é falso?... que a sua presença nesta casa é <strong>de</strong>vida somente a nossas repetidas<br />
instigações... que o seu comportamento aqui é nobre, é leal, é digno <strong>de</strong> um homem<br />
<strong>de</strong> educação?... o mundo continua a murmurar, como <strong>de</strong> fato tem continuado... vai<br />
<strong>de</strong> boca em boca passando a calúnia, e os últimos que a escutam já a recebem como<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
– Ah! senhora!...<br />
Mariana hesitou, corando <strong>de</strong> si mesma. – Ousam dizer até... porque era<br />
horrível mentira, o que ia avançar; Cândido pensou que ela corava <strong>de</strong> vergonha<br />
disso que ousavam dizer, e falou a custo.<br />
– Diga tudo, minha senhora, nada se <strong>de</strong>ve escon<strong>de</strong>r àquele que vai ser<br />
con<strong>de</strong>nado.<br />
– Ousam dizer que o senhor se gaba <strong>de</strong> merecer o amor <strong>de</strong> Celina a seus<br />
próprios amigos...<br />
– Gabar-me a meus amigos?... eu sou pobre, minha senhora, muito pobre para<br />
ter amigos. Essa acusação é tão miserável que eu me rebaixaria se a combatesse.<br />
– Hoje mesmo, e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nossa própria casa a calúnia achou pasto para<br />
alimentar-se; ainda há pouco, quando o senhor cantava, houve quem visse muito<br />
fogo nos seus olhos, e uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor no seu canto. No fim <strong>de</strong>le as amigas<br />
<strong>de</strong> minha sobrinha foram cercá-la, zombar, e dar-lhe irônicos parabéns pela sua<br />
futura felicida<strong>de</strong>.<br />
Cândido sentia-se possuído <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero e <strong>de</strong> vergonha; ansiado, faltava a<br />
seus pulmões ar para respirar; enxugava com o lenço suor copioso, que em bagas lhe<br />
<strong>de</strong>scia pelo rosto. Seu coração estava comprimido por um pêso enorme; arquejava.<br />
A viúva prosseguiu:<br />
– Minha infeliz sobrinha correu para mim <strong>de</strong>solada, e escondida comigo no<br />
fundo <strong>de</strong> meu quarto, chorou tanto e tanto, que me fez dó, e obrigou a um passo que<br />
me causa realmente muita aflição.<br />
– Ela chorou, senhora?... perguntou Cândido torcendo as mãos com violência.<br />
– Oh! sim! ela tinha razão; perdoe-lhe, pois. Ela pesou as conseqüências<br />
<strong>de</strong>sses boatos, e teve medo.<br />
– E teve medo!... balbuciou automaticamente o mancebo.<br />
– Porque, senhor, se esses boatos não forem <strong>de</strong>smentidos <strong>de</strong> algum modo<br />
111