18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Um único <strong>de</strong> seus antigos costumes conservou intacto: ao romper da aurora ia<br />

sempre ao seu jardinzinho colher um botão <strong>de</strong> rosa... quem sabe se ele a observava<br />

oculto atrás da janela?<br />

Era sempre uma esperança a <strong>de</strong> ser vista assim tão abatida e tão triste.<br />

Até o velho Rodrigues per<strong>de</strong>ra com as mudanças do viver da “Bela Órfã”; as<br />

sestas não se renovaram mais. E ele nem ouvia a doce voz <strong>de</strong> Celina, nem podia,<br />

acompanhado por ela, entoar suas baladas e antigos romances.<br />

Foi indo assim a moça admirada <strong>de</strong> que ninguém, nem seu avô, nem sua tia,<br />

dissesse uma só palavra notando a ausência <strong>de</strong> Cândido, até que chegou a noite do<br />

segundo serão, <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong> seus anos.<br />

O moço do “Purgatório-trigueiro” faltou a esse, como tinha faltado ao<br />

primeiro.<br />

A aflição da “Bela Órfã” subiu <strong>de</strong> ponto. Ela conheceu que já tinha lágrimas<br />

que <strong>de</strong>rramava em segredo, para esvaziá-lo; conheceu que lhe era absolutamente<br />

preciso, para ser consolada, falar a preço mesmo do que sofreria seu pudor <strong>de</strong><br />

virgem.<br />

Lembrou-se <strong>de</strong> uma sua amiga.<br />

No fim do serão chamou Mariquinhas <strong>de</strong> parte, e disse-lhe:<br />

– D. Mariquinhas, no último serão você me havia dito que teríamos tempo <strong>de</strong><br />

conversar sobre alguma coisa, em qualquer dos dias que se seguissem...<br />

– Ah! é verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>u a amiga.<br />

– Então?<br />

– Eu pedirei a meu pai que me <strong>de</strong>ixe vir passar um dia contigo, d. Celina.<br />

– Olha, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã é domingo.<br />

– Pois sim.<br />

– Queres que eu peça a teu pai?...<br />

– Não... ele me estima muito para me negar esse prazer.<br />

– Então eu te espero...<br />

– Depois <strong>de</strong> amanhã.<br />

As duas amigas separaram-se.<br />

No dia seguinte, e na hora em que a “Bela Órfã” tinha por costume ir cantar, e<br />

ouvir o velho Rodrigues, estava Celina encerrada em seu quarto e toda entregue a<br />

suas meditações.<br />

– É-me preciso falar, pensava ela: não se po<strong>de</strong> viver assim em silêncio com a<br />

alma cheia <strong>de</strong> angústias, e con<strong>de</strong>nada a não soltar um só gemido. Os homens têm o<br />

direito <strong>de</strong> chorar bem alto!... quando se diz o que se está pa<strong>de</strong>cendo, parece que o<br />

mal abranda um pouco...<br />

Ela pensou alguns instantes, e prosseguiu:<br />

– Seguramente aqueles que escrevem, os poetas em primeiro lugar, <strong>de</strong>vem<br />

achar bastante consolação escrevendo. Esses sim, não têm necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um seio<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>positem os seus pensamentos, seus segredos e suas dores; eles têm uma<br />

amiga fiel e mais con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte que nenhuma outra na sua pena; quando sofrem,<br />

escrevem, dizem o que têm no coração; exaltam-se, eternizam suas penas, suas<br />

132

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!