18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Tudo mais ficou como estava; e a roseira com os dois botões que lhe<br />

restavam.<br />

E logo <strong>de</strong>pois eu vi, não um batel, mas um carro que vinha saindo <strong>de</strong>ntre os<br />

montes e navegando pelo lago.<br />

O carro era todo <strong>de</strong> prata e puxado por gran<strong>de</strong>s cavalos negros,<br />

riquissimamente ajaezados, que bufando, nadavam, como se fossem peixes. Os<br />

criados venciam em magnificência e luxo aos marinheiros do batel. Outra vez<br />

riqueza e brilhantismo; mais riqueza ainda do que há pouco.<br />

E saltou no prado o dono do carro <strong>de</strong> prata. Vinha coberto <strong>de</strong> vestes muito<br />

ricas e muito lindas e tinha o peito cheio <strong>de</strong> brilhantes medalhas; mas apesar disso<br />

eu vi que seu olhar estava amortecido, seu rosto pálido e rugoso e suas mãos já<br />

trêmulas: era um velho.<br />

E ele veio vindo... veio vindo... até que parou <strong>de</strong>fronte da roseira.<br />

Eu levantei a cabeça, olhei para o meu anjo e vi-o tremendo <strong>de</strong> susto e me<br />

olhando com expressão <strong>de</strong> dor tão profunda que <strong>de</strong>satei a chorar <strong>de</strong>solada.<br />

O dono do carro <strong>de</strong> prata não quis ver as minhas lágrimas...<br />

Com ar também pretensioso, mas com passos mal seguros, aproximou-se da<br />

roseira e colheu o segundo botão... era o do lado direito.<br />

Mas quando o quis levar aos lábios para beijá-lo... o botão se foi abrindo...<br />

abrindo... abrindo... as pétalas <strong>de</strong> rosa se foram uma a uma transformando em penas<br />

<strong>de</strong> mil cores, até que todo o botão se metamorfoseou em passarinho, que se escapou<br />

das mãos trêmulas do velho, e voou direito para o céu.<br />

O meu anjo soltou um grito <strong>de</strong> prazer, e o carro e o velho <strong>de</strong>sapareceram<br />

como o batel e seu dono.<br />

Tudo mais ficou como estava. Somente a roseira é que tinha dois botões <strong>de</strong><br />

menos.<br />

Só restava o terceiro botão.<br />

Veio vindo enfim por entre os dois montes e navegando pelo lago, não um<br />

batel, nem um carro <strong>de</strong> prata puxado por cavalos negros, mas uma gran<strong>de</strong> cesta<br />

formada por um belo tecido <strong>de</strong> rosas, e conduzida por formosas garças que traziam<br />

suas asas brancas fora d’água.<br />

Soou <strong>de</strong> novo a música maviosa e doce, e as garças exalaram por seus bicos<br />

aromas <strong>de</strong>leitosos... mas <strong>de</strong>ssa vez eu não adormeci entre os perfumes e as<br />

harmonias.<br />

E saltou no prado um mancebo tão bonito... tão bonito... com seus cabelos<br />

negros e on<strong>de</strong>ados, e um sorrir que era todo meiguice e ternura!... não havia nem<br />

riqueza, nem magnificência: havia graça e beleza.<br />

E ele veio vindo... veio vindo... até que parou <strong>de</strong>fronte que da roseira.<br />

Eu levantei a cabeça, olhei para o meu anjo, e o vi como nadando entre a<br />

dúvida e a esperança, e olhando ora para mim, ora para o mancebo, com ternura<br />

tanta, que eu fiquei também ansiosa e anelante, olhando ora para o meu anjo, ora<br />

para o belo mancebo, que eu já temia ver passar sem colher o botão <strong>de</strong> rosa, que<br />

único restava.<br />

54

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!