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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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embalando-a para fazê-la dormir, Anacleto tinha por sua filha reunido em si dois<br />

amores a um só tempo: o amor <strong>de</strong> pai e <strong>de</strong> mãe.<br />

Desse modo Anacleto pô<strong>de</strong> estudar a fundo o caráter <strong>de</strong> sua filha; pô<strong>de</strong> ler na<br />

leve contração <strong>de</strong> um músculo <strong>de</strong> seu rosto o íntimo sentimento <strong>de</strong> sua alma, e<br />

distinguir a verda<strong>de</strong> e a mentira nos feiticeiros sorrisos <strong>de</strong> Mariana.<br />

Mas o amor não dá somente prazeres, faz sofrer também pesares<br />

acerbíssimos. Não será até possível <strong>de</strong>cidir se estes são <strong>de</strong>vidamente compensados<br />

por aqueles. Há muitos amores que sorriem; mas não há um só que não chore.<br />

A beleza <strong>de</strong> Mariana encheu <strong>de</strong> orgulho o coração <strong>de</strong> seu pai nos primeiros<br />

anos, pouco <strong>de</strong>pois porém essa mesma beleza começou-lhe a ser origem <strong>de</strong> sérios<br />

cuidados; quando ele chegou a notar que sua filha, vaidosa <strong>de</strong> seus encantos,<br />

embriagada com o incenso <strong>de</strong> mil lisonjas, procurava ganhar escravos em todas as<br />

socieda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> aparecia, não <strong>de</strong>sanimava nem preferia nenhum <strong>de</strong> seus numerosos<br />

admiradores, e, em uma palavra, amava perdidamente o galanteio... o galanteio, que<br />

é quase sempre um obstáculo para a felicida<strong>de</strong> das moças, e uma recordação<br />

<strong>de</strong>sagradável, que às vezes, já em muito nobre posição, as faz corar diante <strong>de</strong> um<br />

homem que vem visitar seu marido.<br />

Então Anacleto <strong>de</strong>samava a beleza <strong>de</strong> Mariana, quisera antes vê-la cem vezes<br />

menos bela, contanto que fosse cem vezes mais discreta; porque enfim, uma filha<br />

nunca é feia para seu pai.<br />

Quando Mariana casou, Anacleto sentiu-se livre <strong>de</strong> uma responsabilida<strong>de</strong><br />

imensa; mas cedo encheu-se <strong>de</strong> novos e <strong>de</strong> mais importantes cuidados. Anacleto<br />

adivinhou o amor <strong>de</strong> sua filha e do jovem Henrique, e tremeu, e teve vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

morrer; porque um pai faz-se por seu gran<strong>de</strong> amor solidário na vergonha <strong>de</strong> seus<br />

filhos. E teve vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver para velar por Mariana, para salvá-la e salvar-se<br />

daquele abismo.<br />

Veio <strong>de</strong>pois a viuvez <strong>de</strong> Mariana e com ela novos tormentos para o pobre<br />

velho. Um mancebo com quem ele antipatizava, parecia exercer sobre sua filha um<br />

império indizível. Com seu olhar penetrante, com suas vistas <strong>de</strong> pai, Anacleto via<br />

Mariana tremer diante <strong>de</strong> Salustiano... uma vez compreen<strong>de</strong>u que entre eles dois<br />

<strong>de</strong>via haver um segredo terrível; estudou inutilmente as ações e procedimento <strong>de</strong><br />

ambos; daria meta<strong>de</strong> dos poucos anos que lhe restavam para <strong>de</strong>scortinar aquele<br />

arcano, mas não <strong>de</strong>scobriu nada.<br />

Enfim, chega Henrique, e outra vez aparece diante <strong>de</strong> sua filha. O amor<br />

daqueles dois corações não se tinha <strong>de</strong>ixado morrer na ausência. Anacleto<br />

surpreen<strong>de</strong> essa afeição ar<strong>de</strong>nte e dá-se parabéns porque Henrique é um nobre<br />

mancebo, que merece sua filha, e porque, além disso, vem livrá-lo do espectro que o<br />

assusta, vem lançar fora do combate a Salustiano.<br />

Todavia, a <strong>de</strong>speito da presença <strong>de</strong> Henrique, Salustiano prossegue com seus<br />

antigos modos; Mariana continua, como dantes, a hesitar a seus olhos; portanto, nem<br />

o talismã do amor a po<strong>de</strong> salvar; e o pobre pai, que não conhece o abismo que o<br />

assusta, não tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> avaliar o seu fundo, e treme ainda.<br />

Um sarau é dado... festejam-se os anos <strong>de</strong> Celina, e nessa noite <strong>de</strong> prazer, na<br />

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