OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Estou <strong>de</strong>terminado a ir ao “Purgatório-trigueiro”, disse Anacleto olhando<br />
sempre fixamente para sua filha.<br />
– Creio que é o melhor passo a dar, respon<strong>de</strong>u ela sem hesitar.<br />
– Devo pedir uma explicação a esse moço.<br />
– Sem dúvida, tornou a viúva; ninguém melhor do que ele po<strong>de</strong> esclarecer<br />
este mistério.<br />
– Supões que me cumpre esperar ainda alguns dias?... perguntou o velho<br />
observando.<br />
– Ao contrário, disse Mariana, penso que meu pai <strong>de</strong>ve ir falar-lhe hoje<br />
mesmo.<br />
– Bem... irei esta noite.<br />
A filha <strong>de</strong> Anacleto apreciava com justeza o caráter <strong>de</strong> Cândido para temer<br />
que ele <strong>de</strong>clarasse o que havia ocorrido; e sobretudo jogava ainda com a<br />
probabilida<strong>de</strong> do silêncio do mancebo, porque, mesmo quando falasse, ela contava<br />
com o extremoso amor <strong>de</strong> seu pai para ser perdoada.<br />
Ao começar da noite Anacleto dirigiu-se ao “Purgatório-trigueiro”.<br />
Começou conversando com a velha Irias, a quem pediu explicações a respeito<br />
da ausência <strong>de</strong> seu filho adotivo.<br />
A resposta da velha Irias foi uma e única:<br />
– Ele está lá em cima, e melhor do que eu po<strong>de</strong>rá dizer se teve razões para<br />
retirar-se.<br />
Anacleto fez-se anunciar a Cândido.<br />
Quando o moço vinha <strong>de</strong>scendo a escada, Anacleto começou a subi-la<br />
dizendo:<br />
– Sou sem-cerimônia, meu caro, e quero antes ir conversar lá em cima.<br />
O velho e o mancebo acharam-se a sós <strong>de</strong>fronte um do outro.<br />
– Adivinha certamente o motivo que me traz aqui?... perguntou Anacleto.<br />
Cândido não sabia fingir, e respon<strong>de</strong>u:<br />
– Talvez.<br />
– Pois então... ia dizendo o velho.<br />
– Mas, é melhor que o exponha o senhor, interrompeu o mancebo; é possível<br />
também que eu esteja enganado, e que nossos pensamentos, que supomos reunidos<br />
em uma só idéia, se achem pelo contrário bem afastados um do outro.<br />
– Não; não estão.<br />
– Enfim, sou eu quem <strong>de</strong>verá ouvir as causas <strong>de</strong> uma visita que, em todo o<br />
caso, muito me lisonjeia.<br />
– Meu caro, disse Anacleto, eu ponho as formalida<strong>de</strong>s e as etiquetas para o<br />
lado, quando converso com aqueles <strong>de</strong> quem sou amigo; e nós o somos.<br />
Cândido abaixou a cabeça em sinal <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento.<br />
– Ou pelo menos, tornou o velho, eu o sou seu.<br />
O moço tornou a repetir com a cabeça o mesmo sinal <strong>de</strong> há pouco.<br />
– Deixemo-nos pois <strong>de</strong> longos ro<strong>de</strong>ios, e vamos já ferir <strong>de</strong> face a questão. O<br />
senhor retirou-se <strong>de</strong> minha casa <strong>de</strong> um modo singular: <strong>de</strong> duas uma, ou alguém lá o<br />
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