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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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<strong>CAPÍTULO</strong> XXXII<br />

NO JARDIM<br />

NESSA mesma tar<strong>de</strong> em que Mariana fora perturbada e arrancada do seu belo<br />

sonhar <strong>de</strong> alegres fantasias pelo rodar <strong>de</strong> uma carruagem, e ao mesmo tempo que na<br />

sala tinha lugar uma cena dolorosa e terrível, no jardim do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” outra<br />

se apresentava mais doce, mais terna, mais cheia <strong>de</strong> esperanças.<br />

Celina, fiel aos inocentes amores <strong>de</strong> sua infância, pois que, como dizia, tinha<br />

amado nessa ida<strong>de</strong> feliz o primeiro raio do sol e as flores, estava sentada no banco<br />

<strong>de</strong> relva do caramanchão, melancólica e pensativa.<br />

Tinha na mão direita um botão <strong>de</strong> rosa, que acabava <strong>de</strong> colher; ás vezes<br />

olhava para ele e suspirava; às vezes <strong>de</strong>ixava cair a cabeça e meditava; às vezes<br />

enfim, corando <strong>de</strong> si mesma, erguia a cabeça e lançava os olhos para o lado<br />

esquerdo...<br />

Ao lado esquerdo, e dominando o caramanchão, estava uma pequena janela<br />

do sótão do “Purgatório-trigueiro”.<br />

Celina era uma <strong>de</strong>ssas jovens <strong>de</strong> imaginação viva e ar<strong>de</strong>nte, que a natureza<br />

cria como para serem estrelas do céu dos poetas. Essa viveza, esse ardor <strong>de</strong><br />

imaginação transpirava em tudo...<br />

Aquele sonho do botão <strong>de</strong> rosa... aquele coração que se escondia em um<br />

envoltório tão inocente e tão puro... aquele amor começado por uma oração; aqueles<br />

laços que se tinham apertado aos olhos <strong>de</strong> Deus e à face <strong>de</strong> um túmulo; aquela<br />

história que ela mesma escrevera em uma hora <strong>de</strong> feliz melancolia, tudo enfim<br />

<strong>de</strong>monstrava que na alma <strong>de</strong>ssa moça havia o quer que seja <strong>de</strong> poesia, <strong>de</strong> amor do<br />

belo, <strong>de</strong> modo <strong>de</strong> ver <strong>de</strong> artista.<br />

Mas se essa viveza, se esse ardor <strong>de</strong> imaginação era ainda um encanto <strong>de</strong> mais<br />

na “Bela Órfã”, encanto que a tornava dobradamente encantadora, era ao mesmo<br />

tempo uma lente mágica que agigantava seus infortúnios e seus pesares.<br />

A imaginação faz do poeta o mais feliz e ao mesmo tempo o mais <strong>de</strong>sgraçado<br />

dos homens; porque na fruição <strong>de</strong> prazeres e no sofrimento dos <strong>de</strong>sgostos o poeta<br />

goza mais do que há, e sofre o dobro do que em realida<strong>de</strong> existe.<br />

Celina achava-se neste caso.<br />

E ela nessa tar<strong>de</strong>, como em todas as dos últimos dias, estava sentada no banco<br />

<strong>de</strong> relva do caramanchão meditando tristemente, quando a passos vagarosos e com<br />

semblante prazenteiro se aproximou do lugar on<strong>de</strong> se achava a moça o velho<br />

guarda-portão.<br />

Celina olhou para ele com doçura, e quase com esperança. Aquele homem <strong>de</strong><br />

ordinário acertava <strong>de</strong> lhe falar sobre o jovem do “Purgatório-trigueiro”.<br />

– Sempre triste!... disse o velho.<br />

– Pois então... murmurou a moça, <strong>de</strong>vo acaso estar alegre?..<br />

– Digo que não há razão... para tão longas melancolias.<br />

– Quando talvez julgam mal <strong>de</strong> mim... disse corando a “Bela Órfã”.<br />

– Ele já conhece toda a verda<strong>de</strong>.<br />

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