OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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A felicida<strong>de</strong> enchia, pois, a alma <strong>de</strong> Cândido. Já um abismo não o separava <strong>de</strong><br />
Celina; já não se envergonhava <strong>de</strong> confessar a si mesmo que a amava. Orgulhava-se<br />
antes <strong>de</strong> amá-la e com o coração na terra preso aos pés da “Bela Órfã”, e a alma<br />
voltada para o céu, e toda embebida na bonda<strong>de</strong> imensa do Criador, ele concebia a<br />
mais lisonjeira das esperanças; e a cifrava em uma palavra sagrada: – Deus.<br />
Em um momento <strong>de</strong> explosão <strong>de</strong> ardor e esperança, o mancebo saiu da janela,<br />
e sentando-se junto à mesa, escreveu durante muito tempo com a rapi<strong>de</strong>z e o ardor<br />
<strong>de</strong> um poeta entusiasmado.<br />
Quando acabou <strong>de</strong> escrever correu ao lugar on<strong>de</strong> estava há tanto tempo<br />
esquecida a sua harpa e abraçando-se com ela:<br />
– Oh! minha harpa! exclamou; minha querida companheira das tristezas e das<br />
sauda<strong>de</strong>s, vem outra vez emparceirar-te comigo; mas sê-me agora parceira na<br />
esperança.<br />
Então com prazer imenso e sofreguidão notável, encordoou o instrumento,<br />
afinou-o prontamente, e sentando-se <strong>de</strong> novo à janela, cantou em meia-voz...<br />
Era essa a voz que surpreen<strong>de</strong>ra Celina no meio das revelações que ela a si<br />
mesma estava fazendo dos mistérios <strong>de</strong> seu inocente coração.<br />
A “Bela Órfã” esten<strong>de</strong>u um pouco o pescoço, e aplicou apurada atenção.<br />
Infelizmente as auras da noite levavam os sons para o lado oposto, e o cantor<br />
noturno parecia empregar bastante cuidado para não elevar a voz, que era doce,<br />
maviosa e tocante.<br />
Um único verso do canto pô<strong>de</strong> ser ouvido distintamente por Celina: ela corou<br />
escutando:<br />
“Quem colhera o terceiro botão!”<br />
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No dia seguinte a “Bela Órfã” amanheceu e passou todo o dia pensativa e<br />
absorta.<br />
E o filho adotivo da velha Irias caiu <strong>de</strong> novo em sua habitual melancolia. A<br />
noite <strong>de</strong> esperanças tinha sido uma hora <strong>de</strong> mentirosas imaginações... com a volta do<br />
dia ele encontrara a realida<strong>de</strong>... a sua <strong>de</strong>sgraça.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XII<br />
A VELHA<br />
A TARDE estava no seu começar.<br />
Cândido, que nesse dia se recolhera muito mais cedo do que costumava, e que<br />
subira ao seu mo<strong>de</strong>stíssimo aposento, ouviu gemer a escadinha do velho sótão sob o<br />
peso <strong>de</strong> alguém que vinha subindo; pouco <strong>de</strong>pois mostrou-se além da porta uma<br />
cabeça branca, brilharam dois olhos ver<strong>de</strong>s, e a velha Irias disse:<br />
– Venho conversar, meu filho.<br />
Isto dizendo entrou e foi sentar-se na cama do mancebo, a quem <strong>de</strong>ixou a<br />
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