18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>de</strong> coração bom, e <strong>de</strong> têmpera <strong>de</strong> ferro.<br />

Pela volta das onze horas apareceu um caixeiro à porta do gabinete, e disse:<br />

– Está aí o sr. Jacó.<br />

– Que entre para aqui, respon<strong>de</strong>u Salustiano.<br />

O caixeiro retirou-se,<br />

– Sr. João, continuou Salustiano, suspendamos este trabalho. Tenho que falar<br />

a sós com o homem que acaba <strong>de</strong> ser anunciado. Desça ao primeiro andar e logo que<br />

se retirar aquele que nos veio interromper, suba <strong>de</strong> novo para continuarmos a<br />

trabalhar.<br />

O velho, sem dizer palavra, limpou a pena com que estava tomando notas,<br />

pren<strong>de</strong>u-a atrás da orelha, e saiu.<br />

Quando ia <strong>de</strong>scendo a escada, vinha subindo o homem que se anunciara.<br />

O caixeiro que acompanhava o homem reparou que, contra todos os seus<br />

hábitos, o velho João tratou aquele sujeito com familiarida<strong>de</strong> e vivas <strong>de</strong>monstrações<br />

<strong>de</strong> estima.<br />

Os dois apertaram fortemente as mãos, disseram finezas e mostraram-se<br />

mutuamente amigos.<br />

Era um fato admirável na vida <strong>de</strong> João.<br />

Finalmente o recém-chegado foi introduzido no gabinete <strong>de</strong> Salustiano, e o<br />

caixeiro <strong>de</strong>ixou os dois a sós.<br />

O homem sentou-se na ca<strong>de</strong>ira em que antes estivera sentado João.<br />

Era ele baixo, um pouco gordo, e um pouco calvo; tinha olhos vivos, e<br />

mostrava-se alegre. Vinha vestido <strong>de</strong> fraque roxo abotoado até em cima, e <strong>de</strong> calças<br />

pretas. Calçava botinas <strong>de</strong> cordovão <strong>de</strong> lustro, e chamava-se Jacó.<br />

Já não po<strong>de</strong> haver dúvida nenhuma; era o escrivão que morava na rua <strong>de</strong>...<br />

exatamente <strong>de</strong>fronte do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />

Travou-se entre Jacó e Salustiano a seguinte conversação:<br />

– Muito bem, senhor Jacó: o senhor é sempre pontual.<br />

– É um hábito da vida passada; quando eu era escrivão, chegava à casa dos<br />

juízes sempre <strong>de</strong>z minutos antes da hora das audiências.<br />

– Não é esse o seu único mérito: o senhor é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o maior<br />

segredo <strong>de</strong>ste mundo.<br />

– A vida passada! a vida passada! o tino, a prática dos interrogatórios...<br />

– Vamos pois; que notícias me dá?<br />

– Poucas, porém boas.<br />

– A elas, meu caro.<br />

– Ontem, <strong>de</strong>pois das onze horas da noite, a lua estava clara como o dia...<br />

– Dispenso todos os segredos que o senhor possa ter <strong>de</strong>scoberto na lua.<br />

– Hábitos da vida passada! nos corpos <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito o luar é uma circunstância<br />

que sempre se faz notar... as vezes importa muito.<br />

– Adiante.<br />

– Bem: pouco <strong>de</strong>pois das onze horas da noite saiu do alpendre do “Céu cor<strong>de</strong>-rosa”<br />

um vulto <strong>de</strong> mulher...<br />

198

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!