OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– Não há véu bastante <strong>de</strong>nso para escon<strong>de</strong>r <strong>de</strong> todo os <strong>de</strong>litos. Tar<strong>de</strong> ou<br />
cedo... tudo se <strong>de</strong>scobre; e muitas vezes um homem que cometeu um crime<br />
abominável, e que se julga impune, porque acredita que todos ignoram a ação<br />
nefanda que praticou, vai passando pela multidão com a cabeça levantada, sem saber<br />
que outro está apontando para ele e dizendo: “Ali vai um malvado!”<br />
– Oh! é verda<strong>de</strong>!<br />
– Mulher, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito que eu sei a tua história. Eu a sei mesmo muito melhor<br />
do que tu; vou repetir-ta... escuta.<br />
– Não... não...<br />
– É preciso que me ouças; quem sabe se <strong>de</strong>ntro em pouco não estarás <strong>de</strong><br />
joelhos a meus pés? escuta.<br />
Mariana escutou com o rosto abrigado entre suas duas mãos.<br />
O velho Rodrigues começou:<br />
– No fim do ano <strong>de</strong> 1822, a cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro vivia a vida do<br />
entusiasmo e das festas; a in<strong>de</strong>pendência estava proclamada, os ferros coloniais<br />
tinham sido quebrados com <strong>de</strong>sprezo; o congresso nacional, a assembléia<br />
constituinte ia em breve reunir-se, e trabalhar na execução da gran<strong>de</strong> obra; levantar<br />
o majestoso monumento. O povo entusiasta da liberda<strong>de</strong> festejava a liberda<strong>de</strong>; os<br />
saraus seguiram-se uns aos outros; o prazer estava em toda a parte.<br />
Mariana exalou, involuntariamente talvez, um suspiro <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>.<br />
– E no meio <strong>de</strong> mil formosas donzelas, que davam vida a essas festas, havia<br />
uma jovem senhora, uma moça que acabava <strong>de</strong> sair da infância, e que fazia o<br />
orgulho das socieda<strong>de</strong>s e o martírio das outras moças.<br />
Mariana sentiu apertar-se-lhe o coração.<br />
– Era uma jovem extrema e perigosamente encantadora; era morena, tinha os<br />
cabelos e os olhos negros e brilhantes, e o rosto cheio <strong>de</strong> viveza e malícia, o pescoço<br />
garboso como o <strong>de</strong> um cisne. E toda ela era bem feita; formosa e bem feita, que<br />
arrebatava. E tinha um olhar magnífico, fixo e ar<strong>de</strong>nte como o do tigre, um sorrir<br />
meigo e carinhoso que enfeitiçava; uma voz harmoniosa e tocante, e, finalmente, um<br />
andar que provocava. Era uma mulher perigosa e terrível... era capaz <strong>de</strong> ser o anjo<br />
da salvação, ou o <strong>de</strong>mônio da perdição <strong>de</strong> um homem. Essa mulher imensamente<br />
encantadora chamava-se Mariana.<br />
E Mariana suspirou <strong>de</strong> novo.<br />
– Objeto <strong>de</strong> todas as atenções, os mancebos a ro<strong>de</strong>avam e festejavam <strong>de</strong> mil<br />
modos; os pais davam parabéns ao pai da feliz moça; e as moças a invejavam; e as<br />
casadas tinham os olhos fitos em seus maridos por causa <strong>de</strong>la; e as mães a<br />
malqueriam por causa <strong>de</strong> suas filhas; porém Mariana, orgulhosa <strong>de</strong> seus encantos,<br />
passeava por entre aquelas senhoras, e por entre todos aqueles homens, como o sol<br />
que faz o seu giro no espaço, escurecendo as estrelas e espalhando sua luz por toda a<br />
parte.<br />
E a viúva suspirou ainda uma vez.<br />
– Ídolo <strong>de</strong> tantos, ídolo <strong>de</strong> todos os homens pelo menos, a indiferença <strong>de</strong> um<br />
era insulto para essa moça tão bela como vaidosa; era um insulto <strong>de</strong> que ela sabia<br />
237