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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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no meu coração os teus pesares... fala, pelo amor <strong>de</strong> Deus! Se tens um segredo, on<strong>de</strong><br />

acharás para esse arcano mais bem cerrado túmulo do que o coração <strong>de</strong> teu pai?...<br />

Oh! fala!... A alma <strong>de</strong> um pai se abre piedosa às penas que te dilaceram, fala! se um<br />

tal silêncio continua, e continuam essas lágrimas e esse constante sofrer, cuja causa<br />

me escon<strong>de</strong>s, eu não posso resistir mais... eu morro, <strong>de</strong>certo!<br />

– Senhor... balbuciou a mísera.<br />

– Ah! é porque tu não sabes o que é ser pai, Mariana; é porque ignoras que<br />

não há punhal que rasgue mais dolorosamente as entranhas <strong>de</strong> um pai do que as<br />

lágrimas <strong>de</strong> uma querida filha!... Fala, meu anjo, fala, meu amor, fala, minha filha!...<br />

Por que choras?... Tens porventura cometido uma falta?... A alma <strong>de</strong> teu pai é<br />

gran<strong>de</strong> para te perdoar!... Ofen<strong>de</strong>ram-te?... Fala, e meu trêmulo braço readquirirá as<br />

perdidas forças para vingar-te... O que tens? Vê que o teu silêncio faz mal a ti<br />

mesma... Lembra-te que esse mistério em que envolves a tua dor po<strong>de</strong> dar lugar a<br />

que alguém suspeite...<br />

Com a rapi<strong>de</strong>z do relâmpago <strong>de</strong>sapareceram todos os sinais <strong>de</strong> dor ou <strong>de</strong><br />

enternecimento, que em Mariana acabavam <strong>de</strong> mostrar-se. Tinha <strong>de</strong>spertado a<br />

vaida<strong>de</strong>... a mentira.<br />

A viúva ergueu-se.<br />

– Então, minha filha?<br />

– Nada sofro, meu pai.<br />

– Mas que contradição é essa?... Chego e acho-te risonha; dou graças a Deus<br />

pelo teu contentamento, e cais a meus pés <strong>de</strong>sfazendo-te em pranto; chorando<br />

também por minha vez, peço-te que fales; e tu te ergues altiva, com os olhos<br />

enxutos, e me dizes que nada sofres?! Como explicas isto?<br />

A viúva pensou um momento, e <strong>de</strong>pois respon<strong>de</strong>u tão sossegadamente como<br />

se fora a própria verda<strong>de</strong> que nos seus lábios falasse:<br />

– Meu pai, disse ela, tenho-lhe causado imensos pesares...<br />

– Não nos lembremos das dores passadas. O que eu quero saber é simples: o<br />

que te atormenta hoje?<br />

– Remorsos.<br />

– Remorsos?! exclamou Anacleto.<br />

– Sim, meu pai; remorsos dos <strong>de</strong>sgostos que lhe tenho causado.<br />

O velho fitou por alguns instantes os olhos no rosto <strong>de</strong> sua filha; <strong>de</strong>pois,<br />

sacudindo tristemente a cabeça, disse:<br />

– Não é isso.<br />

– Oh! é isso, meu pai, é isso mesmo. Fui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança uma louca, cheia <strong>de</strong><br />

presunção e vaida<strong>de</strong>, a mais pequena contrarieda<strong>de</strong> ofendia meu orgulho; um<br />

homem que <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> queimar incenso a meus pés me levava ao <strong>de</strong>sespero; e<br />

<strong>de</strong>pois, envergonhada <strong>de</strong> meus sentimentos, <strong>de</strong> minhas puerilida<strong>de</strong>s, eu escondia a<br />

causa <strong>de</strong> minhas penas a meu pai, que chorava julgando-me <strong>de</strong>sgraçada, quando eu<br />

era somente uma pobre louca.<br />

– E mais nada? perguntou Anacleto.<br />

– Muito mais, meu pai, muito mais; porém tudo se reduz pouco mais ou<br />

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