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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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on<strong>de</strong> pela primeira vez vira Celina; era o teatro <strong>de</strong> seu primeiro e único amor, <strong>de</strong>via<br />

ser-lhe grato.<br />

Entrou como possuído <strong>de</strong> um santo respeito, <strong>de</strong>vorou com os olhos todas<br />

aquelas inocentes flores, todos os dias regadas ao amanhecer por um ente tão belo e<br />

tão puro como elas mesmas; dirigiu-se <strong>de</strong>pois ao caramanchão; mas força lhe foi<br />

parar diante <strong>de</strong>le.<br />

Um velho com a cabeça coberta <strong>de</strong> cabelos brancos, ali estava sentado com o<br />

rosto caído entre as mãos, e chorando como um menino.<br />

Era Anacleto.<br />

Portanto, naquela festa estava a história do mundo. Estava o prazer <strong>de</strong> mistura<br />

com a dor, o riso <strong>de</strong> envolta com o pranto, e a felicida<strong>de</strong> com o infortúnio.<br />

Na sala uma música alegre, viva e estrepitosa animava os moços; e no jardim<br />

um mísero velho <strong>de</strong>sabridamente soluçava.<br />

Cândido em pé, diante <strong>de</strong> Anacleto, não podia compreen<strong>de</strong>r uma tristeza tão<br />

gran<strong>de</strong> em uma noite <strong>de</strong> festa, nem adivinhava o que lhe cumpria fazer naquele caso<br />

Anacleto, ocupado só com a sua dor, não tinha sentido aproximar-se o<br />

mancebo, e chorava, e soluçava sempre.<br />

O que queriam dizer aquelas lágrimas do velho, que ainda há pouco se<br />

mostrara na sala tão feliz?... tão contente?... que contradição <strong>de</strong> sentimentos era<br />

essa?...<br />

Era o segredo <strong>de</strong> um coração <strong>de</strong> pai.<br />

Há na vida do homem um gran<strong>de</strong> amor, cuja benéfica influência se<br />

experimenta ainda nos mais apertados lances. Um amor imenso, que, por assim<br />

dizer, enche toda a alma que o dá; amor único, sem interesse, porque às vezes é<br />

mesmo a um ingrato, que arranca lágrimas, a quem se ama: é o amor que um pai e<br />

uma mãe dão a seus filhos.<br />

Porém nesse terníssimo afeto, po<strong>de</strong>-se talvez fazer uma distinção: um pai ama<br />

muito com o coração, mas ama também com a cabeça; uma mãe ama quase sempre<br />

só com o coração.<br />

A gran<strong>de</strong> missão da mulher é a maternida<strong>de</strong>; e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que é mãe, a mulher tem<br />

Deus no céu, e seu filho no mundo.<br />

Uma mãe, em regra geral, sabe amar muito, e só cura <strong>de</strong> seu amor; vive <strong>de</strong><br />

beijar, <strong>de</strong> contemplar seu filho; ela quase que o acredita um ente especial, que todos<br />

<strong>de</strong>vem bem-querer, e ao qual nunca po<strong>de</strong>rá tocar a mão pesada do infortúnio.<br />

Extremosa, complacente, fecha os olhos aos erros <strong>de</strong> seu filho, não ouve aqueles que<br />

notam em suas faltas; e se seu filho é um <strong>de</strong>sgraçado, ela é <strong>de</strong>sgraçada com ele. E se<br />

seu filho é um criminoso, ela o adora no seio do crime, <strong>de</strong>spreza o juízo do mundo;<br />

e que lhe importa o mundo!... Deus está no céu, e é gran<strong>de</strong> para perdoá-lo; e na terra<br />

está ela, que é gran<strong>de</strong> para amá-lo sempre.<br />

Um pai não é tanto assim; olha também para o mundo em que vive; respeita<br />

seus prejuízos e quer preparar seu filho para esse mundo, no qual tem <strong>de</strong> passar a<br />

vida. A opinião dos homens significa muito para ele, e portanto dobra-se a ela.<br />

Quando seu filho começa a representar um papel na socieda<strong>de</strong>, o pai segue-o<br />

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