18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

da Lapa do Desterro <strong>de</strong>ram-lhe o nome e teimavam em chamá-la com o título<br />

muitíssimo poético <strong>de</strong> “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa.”<br />

Seria, porém, a cor da frontaria da casa, <strong>de</strong> que tratamos, a verda<strong>de</strong>ira causa<br />

<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>nominação quase sacrílega?... certo que não. O instinto do coração <strong>de</strong> um<br />

homem adivinha, para logo, que aí <strong>de</strong>ve habitar uma mulher, provavelmente muito<br />

bela; porque esse nome <strong>de</strong> “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” tem em si alguma coisa <strong>de</strong> poético; e<br />

neste mundo tão por <strong>de</strong>mais enganador e falso, e nesta vida tão por <strong>de</strong>mais estéril e<br />

trabalhosa, o homem só encontra poesia e encanto on<strong>de</strong> respira a mulher. Por<br />

conseqüência, a cor da frontaria era o meio; a existência <strong>de</strong> uma mulher nessa casa,<br />

era a causa única <strong>de</strong> seu belo nome.<br />

Com efeito uma moça, que a ser julgada pelo que <strong>de</strong>la apregoava a fama, era<br />

tão linda como nova, tão rica <strong>de</strong> encantos como pobre <strong>de</strong> anos, embelecia, tornava<br />

cheia <strong>de</strong> interesse a mo<strong>de</strong>sta habitação: centro para on<strong>de</strong> convergiam mil simpatias,<br />

tinha ela seu nome abençoado, sua vida mergulhada em uma atmosfera toda poética,<br />

seus hábitos e costumes, suas ações, sua casa, e quanto com ela estava em relação<br />

gozando honras romanescas, graças à imaginação fervorosa <strong>de</strong> um público idólatra.<br />

Assim, já vimos com que nome tão altivo era conhecida a morada da feliz<br />

moça, e fez o povo mais ainda: para com uma antítese tornar dobradamente notável<br />

a conta em que tinha o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”, aproveitou-se da existência da pobre casa,<br />

que junto do muro do jardim da primeira se via; e em castigo <strong>de</strong> sua miséria, pois<br />

que muito baixa, só havia nela <strong>de</strong> mais um sótão, que nem mesmo lançava janelas<br />

para a rua, e toda se mostrava já meio arruinada pela força dos anos, e bastante<br />

intrigueirada pelas <strong>de</strong>sfeitas do tempo, <strong>de</strong>u-lhe o epíteto afrontoso <strong>de</strong> – “Purgatóriotrigueiro”.<br />

Tendo por essa maneira feito notar a casa da moça querida com um nome<br />

sagrado, e a que lhe ficava contígua com uma alcunha <strong>de</strong> maldição, os entusiastas<br />

foram por diante com a sua antítese. Enten<strong>de</strong>ram que o nome batismal da moça, não<br />

exprimindo nenhum dos sentimentos que por ela nutriam, não lhes podia servir para<br />

fazê-la <strong>de</strong>signar; e então acertaram <strong>de</strong> chamá-la – “Bela Órfã”; – porque assim a<br />

tornavam por dois modos interessante: interessante aos olhos pela beleza e ao<br />

coração pelo estado; e enfim, chegou a vez da antítese cruel, e a uma pobre mulher<br />

setuagenária, que morava no “Purgatório-trigueiro”, foi lançado o insultuoso apelido<br />

<strong>de</strong> – “Velha bruxa”.<br />

Depois, como para dar os últimos toques à apoteose da feliz senhora, eles<br />

estudaram os hábitos, observaram as ações e os passos da “Bela Órfã”, e<br />

interpretações e explicações tão poéticas como esse nome vieram completar o<br />

romance que a imaginação popular criava. Por exemplo: a moça tinha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os mais<br />

tenros anos contraído o hábito <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar com a aurora para passar a primeira hora<br />

da manhã no pequeno jardim do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”; a explicação não tardou. “Há,<br />

diziam-se sorrindo uns aos outros os entusiastas, há uma paixão, e a mais <strong>de</strong>cidida<br />

correspondência amorosa entre a “Bela Órfã”, e o sol; <strong>de</strong> ajuste <strong>de</strong>spertam ambos à<br />

mesma hora para, livres <strong>de</strong> testemunhas, se irem namorar <strong>de</strong> manhã cedo, ele do alto<br />

dos céus, e ela do meio das flores”.<br />

3

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!