OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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<strong>de</strong>senvolver qualquer dos dois. Para mim, portanto, não há felicida<strong>de</strong> possível. É<br />
horrível a vida do homem que tem um coração cheio <strong>de</strong> amor e carece <strong>de</strong> quem lhe<br />
aceite esse sentimento <strong>de</strong> fogo; que possui um pensamento repleto <strong>de</strong> nobre<br />
ambição, e não tem asas para voar ao ponto que mira. Disseram-me um dia que eu<br />
tinha talento e gênio; pois sim; suponhamos que se não enganaram. Tenho talento e<br />
gênio, mas não posso <strong>de</strong>ixar a obscurida<strong>de</strong>; porque se eu sair em claro dia, o<br />
primeiro que me encontrar, perguntar-me-á – quem és tu? – e eu não terei uma<br />
palavra para respon<strong>de</strong>r-lhe. Tenho talento e gênio; porém se amar uma mulher, ela<br />
há <strong>de</strong> rir-se <strong>de</strong> minha audácia, <strong>de</strong> minha loucura, há <strong>de</strong> zombar do pobre que a ama;<br />
e se for também louca para chegar a amar-me, terá <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer muito para ir até o<br />
fundo do abismo on<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> tem posto em exílio o homem pobre. Oh! é<br />
preciso pois passar pela vida sem gozar nenhum <strong>de</strong>sses gran<strong>de</strong>s afetos... sem ter<br />
pais, que me abençoem; sem ter esposa, com quem me i<strong>de</strong>ntifique; sem ter filhos,<br />
em quem me sinta renascer. Oh!... só! sempre só.”<br />
“18 <strong>de</strong> setembro. – Não foi uma visão, meu Deus?... será possível que fosse<br />
realida<strong>de</strong>?... o que se está passando ainda agora, o que eu tenho na cabeça, o que eu<br />
sinto no coração não se exprime... não se <strong>de</strong>screve... não, é impossível; mas fica<br />
eternamente impresso na alma.”<br />
“19 <strong>de</strong> setembro. – Oh!... era... é realida<strong>de</strong>!”<br />
“20 <strong>de</strong> setembro. – Minha mãe, perdão! três dias passados, sem que eu vos<br />
<strong>de</strong>sse mais que momentâneos pensamentos; foram três dias <strong>de</strong> embriaguez ou <strong>de</strong><br />
sono; mas enfim eis-me <strong>de</strong>spertado. Sim... dormi, porque cheguei a esquecer-me <strong>de</strong><br />
minha posição e <strong>de</strong> minha <strong>de</strong>sgraça; em castigo, porém, aqui estou eu agora mais<br />
<strong>de</strong>sgraçado que nunca. O que eu sofro... as lúgubres idéias que me fervem no<br />
cérebro, não serão aqui exaladas. Não! eu tenho vergonha do que sofro; se aqui as<br />
escrevesse, e <strong>de</strong>pois alguém a meus olhos lesse este papel, eu creio que morreria <strong>de</strong><br />
pejo. E todavia eu precisava tanto <strong>de</strong> escrever!... quando se tem <strong>de</strong>rramado em um<br />
papel aquilo que na alma se está sentindo, o coração <strong>de</strong> quem sofre como que fica<br />
livre <strong>de</strong> um peso enorme. Eia, pois!... escrevamos sempre... um nome só... não! um<br />
nome, não! Bastam duas letras – “Ce” –.”<br />
Com essas duas letras tinha-se exatamente terminado a página, <strong>de</strong> que<br />
copiamos os anteriores pensamentos.<br />
Cândido havia parado <strong>de</strong> escrever; e provavelmente, sem querer, adormecera<br />
com o rosto caído sobre o papel, e os lábios sobre aquelas duas letras – Ce.<br />
É possível que o seu último pensamento da vigília fosse o dar um beijo nas<br />
duas letras, que lhe pareciam ser tão caras.<br />
Prolongou-se o dormir do mancebo até quase o amanhecer; hora em que,<br />
como se o próprio coração o <strong>de</strong>spertasse, ergueu-se ele rápido, e foi até a fresta que<br />
havia na janela do lado direito.<br />
A noite ainda não se havia <strong>de</strong> todo dissipado.<br />
– Ainda é cedo, disse.<br />
Mas ficou no mesmo lugar, olhando pela fresta; e dir-se-ia que esperava ver<br />
dali cair sobre a terra o primeiro raio do sol.<br />
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