OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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isonha, o seu sorrir era um feitiço. Dessa vez Celina vinha com leve sorriso nos<br />
lábios.<br />
– Sabe, meu avô? disse ela a Anacleto, a nossa boa vizinha, a velha Irias, lhe<br />
mandou pedir licença para visitar-nos, e agra<strong>de</strong>cer-nos o que ontem por ela fizemos.<br />
– Agra<strong>de</strong>cer-te, menina, foi provavelmente o que ela mandou dizer. Pois<br />
então que venha...<br />
– Sim, disse Mariana, vai mandar-lhe dizer que venha, nós ouviremos <strong>de</strong>la<br />
com prazer o teu elogio.<br />
– Eu já respondi que viesse, em nome <strong>de</strong> meu avô.<br />
– E fizeste bem... mas parece que chegou...<br />
Ouviu-se ruído junto da porta da sala.<br />
– Oh!... é ela!...<br />
– Vai recebê-la, disse Anacleto.<br />
A menina correu à porta.<br />
– Entre! exclamou ela, nós a esperávamos com prazer.<br />
A porta abriu-se em par. Celina não pô<strong>de</strong> reter um pequeno grito, e recuou<br />
dois passos.<br />
Era Salustiano.<br />
Elegante no trajar e nas maneiras, se não era bonito, não se podia dizer feio.<br />
De estatura proporcionada, tinha cabelos castanhos, olhos pequenos mas vivos, e o<br />
rosto <strong>de</strong> uma cor pálida própria das constituições abaladas pelas enfermida<strong>de</strong>s e<br />
vigílias; vinha vestido <strong>de</strong> bela casaca preta <strong>de</strong> abas muito largas; trazia ao pescoço<br />
linda manta <strong>de</strong> seda <strong>de</strong> cor, e vestia colete <strong>de</strong> chamalote branco, calças <strong>de</strong> pano<br />
preto sem presilhas, e excelentes botins envernizados; por <strong>de</strong>baixo do colete saía-lhe<br />
a ca<strong>de</strong>ia do relógio, e <strong>de</strong>la pendia um enorme sinete.<br />
Salustiano cumprimentou primeiro a Celina, sorrindo da surpresa que acabava<br />
<strong>de</strong> causar, e <strong>de</strong>pois aproximou-se <strong>de</strong> Anacleto e <strong>de</strong> Mariana, que se haviam<br />
levantado para recebê-lo.<br />
– Desculpe minha neta, disse Anacleto, ela contava ver entrar uma pessoa por<br />
quem ansiosa espera.<br />
Celina olhou para seu tutor com indizível gratidão.<br />
– Eu o compreendi logo, respon<strong>de</strong>u Salustiano. Não me posso julgar tão feliz<br />
que merecesse ver sua bela neta correr alegremente para receber-me.<br />
– Ora... disse Mariana.<br />
Anacleto e Celina não disseram nada.<br />
Sentaram-se os quatro e começaram a conversar sobre objetos indiferentes.<br />
Um observador que examinasse aquelas quatro personagens, teria muito que<br />
estudar nelas; e se entrasse no coração <strong>de</strong> cada uma, acharia ali um novo exemplo<br />
<strong>de</strong>ssa superfície enganadora e falsa, com que a educação e a sociabilida<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>m<br />
às vezes sentimentos opostos e interior má vonta<strong>de</strong>.<br />
A conversação <strong>de</strong> Salustiano, que às vezes era mesmo agradável, quase<br />
sempre perdia muito por sarcástica e venenosa. Não poupava nem a ironia, nem o<br />
epigrama. Ele olhava com paixão e interesse para Celina; com presunção e orgulho<br />
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