18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O velho olhou fixamente para Cândido e disse com voz grave e pausada:<br />

– Po<strong>de</strong> ser que me importe mais do que pensa. Quem sabe se o seu passado,<br />

que é tão escuro para todos, não é bem claro para mim?...<br />

– Oh!... exclamou Cândido: fale pois!... eu lhe escuto...<br />

– É tar<strong>de</strong>; eu já <strong>de</strong>via ter voltado.<br />

– Mas...<br />

– Eu lhe <strong>de</strong>ixo estes papéis, sr. Cândido; peço que os leia... e que os guar<strong>de</strong>.<br />

O velho Rodrigues tirou então do bolso algumas folhas <strong>de</strong> papel e as <strong>de</strong>itou<br />

sobre a mesa.<br />

– O que contêm estes papéis?... perguntou Cândido com viva curiosida<strong>de</strong>.<br />

– Uma história.<br />

– A minha história?...<br />

– Também é sua.<br />

O velho retirou-se vagarosamente, e Cândido foi buscar uma luz, e abrindo a<br />

primeira página daqueles papéis leu:<br />

HISTÓRIA DO MEU AMOR<br />

<strong>CAPÍTULO</strong> XXX<br />

UMA HORA DE LEITURA<br />

DEVEREI eu ler estes papéis?... falou Cândido consigo mesmo. Não haverá<br />

aí veneno espalhado nessas páginas?... não será fraqueza ce<strong>de</strong>r a um <strong>de</strong>sejo que não<br />

passa <strong>de</strong> pueril curiosida<strong>de</strong>?... Não! estou <strong>de</strong>terminado; po<strong>de</strong> rolar um século sobre<br />

essa mesa e não os hei <strong>de</strong> ler nunca.<br />

Mas ele não podia arrancar os olhos dos papéis que lhe <strong>de</strong>ixara o velho, e<br />

passados alguns minutos pensou já <strong>de</strong> outro modo; pensou assim:<br />

– É que também, se eu os não ler, po<strong>de</strong>m julgar que <strong>de</strong>sconfio <strong>de</strong> mim<br />

mesmo... que tenho medo <strong>de</strong> amar ainda... que não sei triunfar <strong>de</strong> uma paixão <strong>de</strong><br />

dois dias... é isso; po<strong>de</strong>m julgá-lo. Pois eu lerei... mas hoje não; mostrarei a minha<br />

indiferença não lendo hoje; provarei que nada receio lendo amanhã; estou<br />

<strong>de</strong>terminado.<br />

E passado ainda um certo espaço, o mancebo mudou outra vez <strong>de</strong> resolução, e<br />

disse consigo:<br />

– Mas isto, sim, é que é puerilida<strong>de</strong>! ler amanhã ou hoje, é sempre acabar por<br />

ler; e que tem isso?... que impressão me po<strong>de</strong> causar esta leitura?... e que me<br />

importa o juízo que <strong>de</strong> mim quiserem fazer?... eu sou pobre... eu sou só... eu sou<br />

portanto bem livre.<br />

E abrindo a primeira página começou a ler.<br />

163

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!