OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
feito o constante pa<strong>de</strong>cer <strong>de</strong> minha vida?... como é que po<strong>de</strong> em mim tanto essa<br />
mulher, que nem a razão, nem a ausência, nem a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rão conseguir fazerme<br />
esquecê-la?... como é que eu me prendo assim a uma rosa que me espinha; que<br />
me ofereço a um raio que me abrasa?! Oh! Carlos! Carlos! este amor é fatal como a<br />
maldição <strong>de</strong> um pai!...<br />
– Eu to predisse: no seu começo fora possível vencê-lo; agora é tar<strong>de</strong>.<br />
– Possível vencê-lo?! se não foras meu amigo, eu te <strong>de</strong>sejaria um amor como<br />
este, para sentires como foi ele no seu começo; sabes o que é estar um homem<br />
<strong>de</strong>vorado pela se<strong>de</strong>, e preso a uma coluna <strong>de</strong> ferro a dois passos <strong>de</strong> um rio <strong>de</strong> águas<br />
límpidas?... pois foi assim que eu vivi enquanto Mariana esteve casada; a minha<br />
se<strong>de</strong> era <strong>de</strong> amor, minha coluna <strong>de</strong> ferro era a honra, e essa mulher era para mim<br />
uma fonte <strong>de</strong> angélica pureza... oh!... foi muito horrível a minha vida!... foi muito<br />
horrível!<br />
Carlos guardou silêncio.<br />
– E agora? prosseguiu o apaixonado mancebo; – agora que nenhuma<br />
consi<strong>de</strong>ração digna <strong>de</strong> respeitar-se opõe-se ao meu amor; agora que eu não me<br />
envergonho <strong>de</strong>clarando-o à mulher que tanto po<strong>de</strong> sobre mim; agora que eu a ouço<br />
todos os dias dizer que me ama, há <strong>de</strong> vir um homem, que até hoje <strong>de</strong>sprezei,<br />
ostentar a meus olhos o po<strong>de</strong>r que exerce sobre ela?... isto não é uma tentação<br />
abominável?... dize Carlos, dize, isto não é uma tentação capaz <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r-me para<br />
sempre?<br />
Os olhos <strong>de</strong> Henrique flamejavam.<br />
– O que queres dizer?... exclamou Carlos.<br />
– Quero dizer, respon<strong>de</strong>u Henrique tremendo, que ontem à noite eu vi a<br />
mulher que adoro, levada pelo braço <strong>de</strong>sse homem, pálida, abatida, trêmula como<br />
uma criminosa; e ele, arrogante, soberbo, terrível e feroz como um algoz; quero<br />
dizer que <strong>de</strong> então até agora eu tenho sonhado com um punhal... com a <strong>de</strong>sonra...<br />
– Insensato! bradou Carlos.<br />
– Mais do que isso!<br />
– Compreen<strong>de</strong>s bem todo o sentido das palavras que pronunciaste?..<br />
– Perfeitamente.<br />
– Serás capaz <strong>de</strong> repeti-las?...<br />
– Sem dúvida.<br />
– Henrique, disse Carlos com voz triste e grave; falas com o teu amigo,<br />
respon<strong>de</strong> pois seriamente. Pensaste já uma só vez em realizar esse pensamento<br />
abominável?...<br />
Henrique hesitou.<br />
– Esse pensamento é um crime, tornou Carlos, mas eu sou teu amigo para to<br />
perdoar; respon<strong>de</strong> pois, pensaste já uma só vez em realizá-lo?.<br />
Henrique empali<strong>de</strong>ceu como um moribundo, e disse:<br />
– Já... esta noite.<br />
– Estás quase perdido! exclamou dolorosamente o amigo. a Henrique,<br />
escutando esse grito da amiza<strong>de</strong>, atirou-se no sofá chorando <strong>de</strong>sabridamente.<br />
117