OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
“Era um dia um mancebo que ar<strong>de</strong>nte<br />
“Pobre vida esquecido vivia,<br />
“E uma virgem formosa, inocente,<br />
“Que outra igual não se viu, não se via.<br />
“Quem separa o ardor da beleza?...<br />
“Um abismo fatal: – a pobreza.”<br />
O velho Rodrigues parou no fim da primeira estrofe do romance.<br />
Celina, que havia interrompido o seu belo trabalho para ouvir a voz do<br />
guarda-portão esperou <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> que ele prosseguisse, durante algum tempo.<br />
Supondo, enfim, que o velho Rodrigues não prosseguiria em seu canto, tomou<br />
outra vez a pena, quando a voz <strong>de</strong> novo se fez ouvir:<br />
“O mancebo a donzela adorava ....<br />
“Quem o sabe!... ninguém <strong>de</strong>le ouviu.<br />
“Em seu peito esse amor sepultava,<br />
“Se o amor em seu peito nutriu,<br />
“E se amava, era triste esse amar;<br />
“Era um mudo e terrível penar.”<br />
O canto, como antes suce<strong>de</strong>ra, parou no fim da estrofe.<br />
– Que quererá isto dizer? perguntou a si mesma a “Bela Órfã”, por que é que<br />
o velho Rodrigues canta e se suspen<strong>de</strong> no fim <strong>de</strong> cada estrofe?... esta é a hora em<br />
que mutuamente nos fazíamos ouvir. Quererá ele assim lembrar-me o que tenho<br />
esquecido?... mas por que escolheu, para chamar-me, o romance que exprime um<br />
segredo do meu coração?...<br />
A voz fez-se ouvir pela terceira vez. Celina ergueu-se meio agitada.<br />
O guarda-portão do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” prosseguindo no seu canto, saltou pela<br />
terceira estrofe do romance, e cantava a quarta:<br />
“O que é feito da virgem, do pobre?...<br />
“Quando o dia voltar to direi;<br />
“Negro manto da noite nos cobre.<br />
“Ela dorme... mas ele... não sei.<br />
“E’ na terra das trevas o véu;<br />
“Vagam sonhos... mistérios do céu.”<br />
A voz parou como até então fizera, e a “Bela Órfã”, guardando<br />
apressadamente os seus papéis, saiu do quarto, <strong>de</strong>sceu a escada, e entrou na sala.<br />
Não havia ninguém aí.<br />
Celina sentou-se ao piano, e começou a tocar uma música terna e melancólica.<br />
O velho Rodrigues apareceu à porta da sala, e aproximou-se com seu andar<br />
134