18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

CÂNDIDO<br />

NA NOITE dos anos da “Bela Órfã”, foi a velha Irias uma das primeiras<br />

pessoas que reparou na ausência <strong>de</strong> Cândido.<br />

Depois <strong>de</strong> esperar inutilmente vê-lo entrar <strong>de</strong> novo na sala, perguntou por ele,<br />

e soube com espanto que se havia retirado.<br />

Receando que algum incômodo gran<strong>de</strong> e imprevisto tivesse sobrevindo a seu<br />

filho adotivo, <strong>de</strong>spediu-se dos donos da casa, e <strong>de</strong>ixando o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” entrou<br />

no “Purgatório-trigueiro”.<br />

Subiu ao velho sótão, a porta estava fechada. Bateu em vão primeira, segunda<br />

e terceira vez.<br />

Espantada daquele silêncio que no sótão reinava, <strong>de</strong>senhando-se em sua<br />

imaginação já um gran<strong>de</strong> infortúnio, Irias gritou com força:<br />

– Cândido! meu filho!... Cândido!...<br />

Ouviu então os passos <strong>de</strong> alguém que da porta se aproximava, e Cândido<br />

respon<strong>de</strong>u:<br />

– I<strong>de</strong> sossegar, senhora; não tenhais receio algum pelo meu estado... não estou<br />

doente.<br />

A voz do mancebo tinha um não sei quê <strong>de</strong> assustador.<br />

– Abre! disse a velha.<br />

– Amanhã, senhora.<br />

– Abre! eu quero que abras.<br />

– Eu preciso <strong>de</strong> repouso.<br />

– Abre!<br />

– Perdoai-me... mas esta noite não posso obe<strong>de</strong>cer-vos.<br />

– Abre, Cândido! exclamou a velha; abre em nome da mulher que te<br />

concebeu... abre em nome <strong>de</strong> tua mãe.<br />

O mancebo pareceu hesitar ainda: mas logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>u volta à chave, e a<br />

porta abriu-se.<br />

– Acertastes! disse ele; <strong>de</strong> hoje avante tudo por minha mãe... tudo... e só por<br />

ela.<br />

Irias ficou extática diante <strong>de</strong> Cândido.<br />

Não era mais aquele moço pálido, melancólico, abatido e fraco: seus olhos<br />

brilhavam <strong>de</strong> ar<strong>de</strong>ntes, suas faces estavam rubras, seus lábios às vezes convulsos,<br />

havia em todo seu semblante fogo e vivacida<strong>de</strong>; mas <strong>de</strong> sua fronte caíam gôtas <strong>de</strong><br />

suor, e em seu aspecto, e em seus modos notava-se a agitação, e esse excesso <strong>de</strong><br />

vida que acompanha os febricitantes.<br />

– Que é isto?... que tem?... bradou Irias agarrando-lhe no braço.<br />

– Quereis dizer que nunca me vistes tão belo, não é assim, senhora?...<br />

respon<strong>de</strong>u o mancebo com um rir convulsivo, que fez estremecer a velha.<br />

– Cândido!...<br />

– Pois então?... não é melhor assim?... não estou mil vezes mais belo com este<br />

meu rosto enrubescido, com meus olhares flamejantes, com este ardor e este fogo,<br />

125

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!