OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– Não nos lembremos disso, disse Helena.<br />
– Sim, afoguemos os pesares com vinho.<br />
– Vá feito! exclamou Jacó; à saú<strong>de</strong> da boa amiza<strong>de</strong>.<br />
E apenas esvaziados os copos, João os encheu <strong>de</strong> novo, porém com vinho<br />
diferente.<br />
– Esta mistura <strong>de</strong> vinhos é que ontem me fez mal, observou Helena.<br />
– Ora, saú<strong>de</strong>... um dia não é todos os dias...<br />
– Apoiado! bradou Jacó.<br />
– Comamos um pouco <strong>de</strong>ste bolo inglês para fazer lastro.<br />
– Vamos a ele, que está excelente!<br />
– Eu já pedi a uma comadre minha a receita dos bolos ingleses; mas a maldita<br />
egoísta <strong>de</strong>u-me uma como a cara <strong>de</strong>la.<br />
– Per<strong>de</strong>mos uma dúzia <strong>de</strong> ovos, meu caro João.<br />
– Deixe estar, sra. Helena, que eu lhe hei <strong>de</strong> trazer a verda<strong>de</strong>ira receita dos<br />
bolos ingleses.<br />
– Oh! Sr. João, não faz idéia do gosto que me dará.<br />
– Sr. Jacó, lá vai a saú<strong>de</strong> da sua boa senhora!...<br />
– À razão da mesma!<br />
Jacó e Helena, pouco habituados a beber vinhos <strong>de</strong> diversas qualida<strong>de</strong>s,<br />
começavam a <strong>de</strong>monstrar uma alegria e vivacida<strong>de</strong> muito significativa.<br />
– Que vinho <strong>de</strong>licioso! disse o escrivão.<br />
– Tem vinte e cinco anos <strong>de</strong> sepultado.<br />
– Ah!... eu logo vi...<br />
– Mais um copo.<br />
Os dois não se fizeram rogar.<br />
– A propósito, disse João, ontem o sr. Jacó começou a contar-me uma história<br />
que infelizmente não pô<strong>de</strong> concluir.<br />
– Qual?<br />
– A história <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> trovoada doméstica. Uma briga entre marido e<br />
mulher, a conseqüente separação dos sujeitinhos, e <strong>de</strong>pois a sua recente<br />
conciliação... que diabo! eu fiquei espantado <strong>de</strong> o ouvir contar as coisas como se as<br />
tivesse testemunhado, e ainda mais me espantei quando disse que tinha documentos<br />
disso no “coração”.<br />
– Quando?... ah!...<br />
Helena soltou também a sua risada.<br />
– Ele não enten<strong>de</strong> o que é o meu “coração”!...<br />
– É verda<strong>de</strong>... confesso que não posso adivinhar semelhante charada.<br />
– É segredo <strong>de</strong> família, e portanto...<br />
– Basta... já não quero saber. Vá um copo <strong>de</strong> vinho aos segredos <strong>de</strong> família.<br />
– Vá!<br />
João, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a noite anterior concebia as melhores esperanças <strong>de</strong> realizar o<br />
plano que trouxera em mente quando viera morar em casa <strong>de</strong> Jacó, <strong>de</strong>ixou passar<br />
cerca <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> hora, durante o qual fez com que o ex-escrivão e sua mulher<br />
221