OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
menos a isso.<br />
– E ultimamente?<br />
– Ultimamente eu era, eu sou louca como dantes; eu sou criança ainda hoje,<br />
meu pai.<br />
E com um sorrir gracioso Mariana continuou:<br />
– Devo confessá-lo?... pois bem: eu sou ciumenta, meu pai, perdidamente<br />
ciumenta. Estou para casar-me, e se Henrique olha duas vezes para uma senhora,<br />
faz-me estar triste um dia inteiro; se conversa com prazer com outra, sou capaz <strong>de</strong><br />
chorar duas horas. Eu não disse já que era louca?<br />
– E mais nada? perguntou Anacleto <strong>de</strong> novo.<br />
– Pois o que mais, meu pai?<br />
– Minha filha, tu não queres ainda confiar-me os teus pesares; não tens<br />
pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste pobre velho, que tanto te ama!... paciência!<br />
Outra vez se encheram <strong>de</strong> lágrimas os olhos <strong>de</strong> Mariana.<br />
– Choras ainda?... eis aí...<br />
– Meu pai! eu lhe tenho feito sofrer muito; ainda hoje, ainda agora acaba <strong>de</strong><br />
chorar por minha causa. Pois bem; eu lhe prometo que amanhã, que nunca mais me<br />
há <strong>de</strong> ver pesarosa.<br />
Anacleto estremeceu todo e disse:<br />
– Mariana!...<br />
– O que tem, meu pai?<br />
– O que acabas <strong>de</strong> dizer po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dois modos: é um pensamento<br />
que pertence tanto à vida como à morte, e talvez que ainda mais a esta última.<br />
– Morte!... disse a viúva rindo-se; pensar em morte uma moça que está em<br />
vésperas <strong>de</strong> casar-se?<br />
– Ah! Mariana, quem te po<strong>de</strong>rá compreen<strong>de</strong>r suficientemente?!<br />
A viúva apertou a mão <strong>de</strong> seu pai entre as suas e perguntou:<br />
– Meu pai, encomendou as flores?<br />
– Encomen<strong>de</strong>i, respon<strong>de</strong>u o velho suspirando.<br />
– Eu quero que o meu vestido <strong>de</strong> casamento esteja pronto amanhã.<br />
– Está bem.<br />
– Meu a<strong>de</strong>reço <strong>de</strong> brilhantes?<br />
– Também amanhã o terás.<br />
– Como meu pai me ama! exclamou Mariana abraçando o velho.<br />
Anacleto apertou sua filha contra o coração sem dizer palavra.<br />
O velho sofria muito; apesar <strong>de</strong> todos os esforços que fazia a viúva, o olhar<br />
penetrante <strong>de</strong> seu pai lia-lhe a mentira no rosto.<br />
Ah!... se ele pu<strong>de</strong>sse ler também o pensamento sinistro e infernal que pairava<br />
no ânimo <strong>de</strong> Mariana; se ele adivinhasse que <strong>de</strong>baixo daquele rosto tão belo e tão<br />
risonho, daqueles olhos tão ar<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>ntro daquela cabeça tão graciosa estava a<br />
idéia da morte... o suicídio!...<br />
– Mas, disse Mariana, agora é que eu reparo... meu pai está vestido para sair.<br />
– Sim; lembrei-me, apenas há uma hora, que faz hoje anos um <strong>de</strong> meus velhos<br />
228