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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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em vez <strong>de</strong> todo aquele gelo antigo? oh! aplaudi-me!... batei palmas!... eu triunfo!...<br />

sou feliz!...<br />

Uma risada nervosa terminou a <strong>de</strong>lirante exclamação <strong>de</strong> Cândido.<br />

A velha, que tinha entre as suas segura a mão do seu filho adotivo, disse com<br />

força:<br />

– Tu não estás bom... tens febre; eu vou chamar um médico.<br />

De um salto colocou-se o moço diante da porta, e respon<strong>de</strong>u:<br />

– Aqui não entrará mais ninguém esta noite: para que um médico?... o que é<br />

um médico?... é o homem da vida, é o homem que <strong>de</strong>ve esforçar-se para prolongar o<br />

mais possível a nossa existência, é o inimigo da morte; pois então para longe!... a<br />

vida é somente uma longa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tormentos: suas duas únicas realida<strong>de</strong>s a<br />

<strong>de</strong>finem com um gemido; porque o homem geme quando nasce, e geme quando<br />

morre; portanto aquele que tem por ofício esten<strong>de</strong>r esse longo aparelho <strong>de</strong> torturas, é<br />

um tirano. O médico é um homem mau... nada <strong>de</strong> médico!<br />

– Meu filho!...<br />

– Não! não! eu não sou vosso filho, sabeis?... não quero que me chameis por<br />

esse nome... é um direito sagrado que usurpais! <strong>de</strong>vo-vos muito, não é isso?... pois<br />

bem, tomai todo meu sangue... ou melhor, se<strong>de</strong> a senhora <strong>de</strong> meus dias: trabalharei<br />

enquanto viver para vos sustentar; serei vosso escravo, e ainda assim morrerei<br />

confessando que vos fico <strong>de</strong>vendo muito; mas ah! não me chameis vosso filho! <strong>de</strong><br />

hoje avante está isso <strong>de</strong>cidido... não me chameis vosso filho!<br />

A velha começou a chorar. Cândido, que passeava a largos passos por toda a<br />

extensão <strong>de</strong> seu quarto, escutou enfim um soluço da pobre Irias; correu para ela, e<br />

achou-a sentada em seu leito, <strong>de</strong>sfazendo-se em lágrimas.<br />

– Vós chorais?... perguntou ele; que querem dizer essas lágrimas?... não<br />

confessei já que vos <strong>de</strong>via tudo?<br />

– Oh! não! vós não me <strong>de</strong>veis nada, respon<strong>de</strong>u a mísera velha.<br />

A voz <strong>de</strong> Irias trazia o acento <strong>de</strong> tamanha dor, que abriu o coração do<br />

mancebo a seus naturais sentimentos. Esquecendo <strong>de</strong> súbito os tormentos que o<br />

faziam <strong>de</strong>sarrazoar, caiu aos pés da velha, e <strong>de</strong> joelhos, abraçado com eles,<br />

exclamou:<br />

– Perdão! mil vezes perdão, se vos ofendi! amaldiçoada esteja a minha alma,<br />

fechadas lhe sejam as portas do céu, senhora, se uma só vez concebeu uma só idéia<br />

que pu<strong>de</strong>sse ser inspirada pela ingratidão a vossos benefícios. Vós ten<strong>de</strong>s sido tudo<br />

para mim! em vosso seio eu bebi o leite da vida... fostes quem ganhou o meu<br />

primeiro sorriso infantil! vós éreis pobre, não tínheis senão um pão, e me <strong>de</strong>stes<br />

meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse pão! e me <strong>de</strong>stes vosso coração todo inteiro!... perdoai-me! perdoaime!...<br />

que hoje <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto sofrer seria <strong>de</strong>mais para mim a convicção <strong>de</strong> ter<br />

movido vossas lágrimas! perdoai-me!...<br />

A velha e o moço abraçaram-se apertadamente, misturando o pranto que<br />

<strong>de</strong>rramavam ambos.<br />

As lágrimas pareceram abrandar um pouco a excitação <strong>de</strong> Cândido: ele ficou,<br />

durante algum tempo, silencioso e pensativo diante <strong>de</strong> Irias, que não pronunciava<br />

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