OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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ela cortina que guarnece em quadro o terraço, sobre o parapeito <strong>de</strong> grossas gra<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> ferro, que olham para o mar, subindo enfim pelas quatro escadas, havia sempre<br />
multidão. Celina pensava que melhor se escon<strong>de</strong>ria no meio <strong>de</strong>la; Cândido era<br />
escravo da inércia, iria para on<strong>de</strong> o quisessem levar, e sobretudo respeitava o <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> uma senhora.<br />
Mas Celina se iludira. Um homem sim, uma mulher não, nunca se escon<strong>de</strong> na<br />
gran<strong>de</strong> concorrência, porque, on<strong>de</strong> existe uma mulher, principalmente moça e bela,<br />
todos os olhos se fitam sobre ela.<br />
Que importa que a mulher traga os olhos baixos? os observadores perguntam<br />
e indagam por que ela os não traz levantados; porém se os trouxer bem erguidos, os<br />
observadores hão <strong>de</strong> indagar ainda por que os não traz ela no chão.<br />
Mas quase ao tocar a extremida<strong>de</strong> esquerda do terraço, quando o par<br />
incompreensível tinha atravessado todo aquele extenso quadro sem dar fé das belas<br />
jovens, e elegantes mancebos que por ali vagavam, Celina, no momento em que se<br />
voltava para repetir o mesmo passeio, viu em um volver <strong>de</strong> olhos os mesmos dois<br />
mancebos, que já uma vez tinha encontrado, e a haviam feito corar, e que ora a<br />
observavam <strong>de</strong> uma das janelas do torreão esquerdo.<br />
Um dos observadores tinha o braço levantado, e mostrava-a com o <strong>de</strong>do.<br />
Ambos se estavam rindo como <strong>de</strong> inteligência.<br />
A brisa da tar<strong>de</strong> trouxe aos ouvidos <strong>de</strong> Celina as mesmas palavras da outra<br />
vez:<br />
– São namorados.<br />
A perturbação da moça redobrou; ela compreen<strong>de</strong>u que havia alguma coisa <strong>de</strong><br />
singular neles dois. Lembrou-se <strong>de</strong>sse silêncio obstinado que ambos guardavam,<br />
<strong>de</strong>ssa melancolia que os fazia notáveis, e temendo já a multidão, ao chegar à<br />
primeira escada do centro que <strong>de</strong>sce ao lado da cascata, ela <strong>de</strong>ixou o braço <strong>de</strong><br />
Cândido e disse:<br />
– Desçamos, senhor... vamos passear... conversemos... por quem é...<br />
conversemos.<br />
Cândido levantou os olhos e viu o rosto <strong>de</strong> Celina ainda mais embelecido pelo<br />
rubor do pejo... uma leve excitação nervosa lhe fazia palpitar com força o coração, e<br />
lhe inundava o seio <strong>de</strong> voluptuosida<strong>de</strong>. Cândido respon<strong>de</strong>u tremendo:<br />
– Conversemos; e ficou ainda calado.<br />
– Oh! vamos passear pelas alamedas... leve-me para as menos freqüentadas...<br />
eu aborreço a multidão... mas conversemos!<br />
– Vamos para as alamedas... murmurou Cândido.<br />
Os dois mancebos que observavam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio Cândido e Celina,<br />
per<strong>de</strong>ram-nos <strong>de</strong> vista ao voltar <strong>de</strong> uma alameda.<br />
Cândido e Celina passeavam a sós.<br />
Temendo a multidão como a um inimigo, procuravam as ruas solitárias; aí<br />
reinava o silêncio; as árvores cruzando seus ramos <strong>de</strong>ixavam apenas passar raios <strong>de</strong><br />
uma luz duvidosa... sopravam brandos favônios, que vinham travessos enten<strong>de</strong>r com<br />
as folhas, beijar as flores, e espalhar os perfumes, que das últimas roubavam...<br />
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