OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Ontem?<br />
– Esteve lá ao anoitecer.<br />
– Hoje?<br />
– Para lá foi ao romper do dia.<br />
– De que tratou?<br />
– Sempre do amor do enjeitado e da órfã.<br />
– De que trataram hoje? o que disseram?<br />
– Não pu<strong>de</strong> saber: o diabo da velha, quando o coruja entrou, mandou a negra<br />
fazer as compras para o almoço.<br />
– Tem ainda alguma coisa a esse respeito para dizer?<br />
– Por hoje mais nada.<br />
– Então po<strong>de</strong> voltar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã às mesmas horas.<br />
– Serei pronto. Nunca me esqueço o quanto convém ter em lembrança os dias<br />
<strong>de</strong> aparecer nos casos <strong>de</strong> apelação.<br />
– Estamos justos.<br />
As últimas palavras <strong>de</strong> Salustiano significavam uma <strong>de</strong>spedida; mas Jacó<br />
ficou firme em sua ca<strong>de</strong>ira com o semblante prazenteiro, e os olhinhos vivos como<br />
sempre.<br />
Salustiano pareceu incomodar-se com a <strong>de</strong>mora <strong>de</strong> Jacó, e disse:<br />
– Quer mais alguma coisa?<br />
– É provável.<br />
– Diga.<br />
– Quero que me dê cem mil-réis.<br />
– Oh! há três dias que lhe <strong>de</strong>i igual quantia.<br />
– Sim, respon<strong>de</strong>u o ex-escrivão soltando uma risada; mas V. Sa. esquece-se<br />
<strong>de</strong> que agora temos dois negócios.<br />
– Dois? como é isso?<br />
– Pois então?... agora tem V. Sa. <strong>de</strong> pagar-me o trabalho <strong>de</strong> ser o espião <strong>de</strong><br />
polícia e dos seus amores.<br />
– Convenho.<br />
– E <strong>de</strong>pois... aqueles papéis...<br />
– Oh! o senhor é exigente <strong>de</strong>mais! por aqueles papéis, disse Salustiano<br />
empali<strong>de</strong>cendo, <strong>de</strong>u-lhe meu <strong>de</strong>funto pai por uma só vez quatro contos <strong>de</strong> réis.<br />
– Sim... sim... mas por causa daqueles papéis estive na ca<strong>de</strong>ia oito meses e<br />
perdi o meu querido ofício.<br />
– E faltou à sua palavra!<br />
– Como é isso?...<br />
– O senhor havia recebido quatro contos <strong>de</strong> réis para queimar o processo.<br />
– Assim era eu tolo! aqueles papéis são verda<strong>de</strong>iras letras <strong>de</strong> dinheiro, que eu<br />
tenho a juros.<br />
– E nem ao menos se lembra <strong>de</strong> que já não poucas vezes o tenho liberalmente<br />
socorrido?<br />
– Sim; mas V. Sa. tem obrigação restrita <strong>de</strong> pagar-me perdas e danos.<br />
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