OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mariana ergueu-se, e disse:<br />
– Ah! meu Deus! que tempo estamos fora da sala... hão <strong>de</strong> ter reparado em<br />
minha ausência... voltemos, sr. Cândido.<br />
O mancebo que se tinha <strong>de</strong>ixado ficar sentado no banco <strong>de</strong> relva, respon<strong>de</strong>u<br />
com voz sombria:<br />
– Não; eu fico.<br />
A viúva retirou-se a passos vagarosos e com a cabeça baixa; <strong>de</strong>saparecendo<br />
pela portinha que <strong>de</strong>itava para o jardim, ela encostou-se à pare<strong>de</strong> do corredor e<br />
<strong>de</strong>satou a chorar,<br />
Quando Mariana acabava <strong>de</strong> sair do jardim, surgiu <strong>de</strong>ntre alguns arbustos um<br />
homem alto e cuja cabeça alvejava <strong>de</strong> tão branca que era.<br />
Chegou-se ao caramanchão, e dirigindo-se ao mancebo, disse:<br />
– Aquela mulher mentiu.<br />
– Não mentiu! exclamou Cândido com violência, não mentiu! é a verda<strong>de</strong>! o<br />
mundo falou em seus lábios... tudo aquilo quer dizer – o homem pobre é um<br />
miserável... o contato do homem pobre mancha o rico... seu hálito é pestífero... o seu<br />
aspecto hediondo... a pobreza é a morféia!<br />
E acabando <strong>de</strong> pronunciar essas palavras, saiu correndo pela portinha do<br />
jardim.<br />
Ficou só o velho Rodrigues.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XXI<br />
HENRIQUE<br />
O A MOR é a paixão das inconseqüências e dos absurdos.<br />
A impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bem <strong>de</strong>fini-lo provém da mesma natureza <strong>de</strong>sse<br />
sentimento. Tem-se escrito milhões <strong>de</strong> volumes sobre o amor, e a inteligência<br />
humana ainda o não retratou com todas as suas cores, porque sempre ele se mostra<br />
com uma nova nuança.<br />
Fizeram-no parente da amiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ram-lhe até o grau <strong>de</strong> seu irmão; mas se<br />
realmente tanto nela como nele há sempre um pendor para o objeto que nos é grato,<br />
diferem ambos em tudo que resta, tanto e tanto, que parecem mais inimigos do que<br />
<strong>de</strong>viam ser dois parentes tão chegados.<br />
Diferem muito, diferem nos princípios e rios resultados.<br />
O belo título <strong>de</strong> amigo adquire-se à custa <strong>de</strong> uma longa provação, que dura<br />
anos. Aglomeram-se obséquios sobre obséquios; é preciso que o tempo e o trato<br />
mútuo <strong>de</strong> dois homens tenha feito conhecer a ambos sua também mútua <strong>de</strong>dicação, e<br />
o <strong>de</strong>sinteresse e a paciência, e até certo ponto conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentos, e <strong>de</strong><br />
sentimentos que sejam nobres; para que no fim <strong>de</strong> tudo isso saia o nome <strong>de</strong> – amigo,<br />
– não da flor dos lábios, mas do âmago do coração.<br />
O amor não é assim: às vezes é a obra <strong>de</strong> um instante tão breve como um<br />
suspiro.<br />
113