OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– Pois então?... aquela mulher não tem olhos para ver que eu sou pobre, e<br />
vendo-o, não tem inteligência para compreen<strong>de</strong>r que amar um pobre é uma<br />
loucura?... ela fez o que <strong>de</strong>via.<br />
– Desvairas...<br />
– Não; estou calmo, falo com a frieza da razão. A mulher é vaidosa sempre,<br />
quer ser amada, admirada por sua beleza e por seus vestidos. Quer para seu marido<br />
um homem em alta posição para elevar-se ela também; quer estar <strong>de</strong> alto, coberta <strong>de</strong><br />
sedas e <strong>de</strong> brilhantes, <strong>de</strong>slumbrando os homens e sendo invejada pelas outras<br />
mulheres. No casamento isto é tudo, e o amor é quase nada. E a mulher, que isto<br />
consegue, lá vai... incensada... feliz... <strong>de</strong>slumbradora... invejada... ainda que seu<br />
marido seja um ente abjeto e estúpido; que abjeto!... que estúpido!... não há abjeção<br />
nem estupi<strong>de</strong>z on<strong>de</strong> há riqueza. Os altos funcionários, que nunca estão em casa para<br />
receber o artista <strong>de</strong> mérito, o velho soldado, e o honrado servidor do país, o estão<br />
sempre para ir ajudar a <strong>de</strong>scer da carruagem o milionário analfabeto. Que queríeis<br />
que fizesse a mulher?... esqueceu a missão do céu; ornou-se com os prejuízos e as<br />
douradas vilezas da terra... embora... o mundo bate palmas!...<br />
– Isso não é falso; mas é exagerado, respon<strong>de</strong>u tristemente a velha Irias.<br />
– Oh! não... é a própria verda<strong>de</strong>, mal pintada ainda. Perguntai a todos os que<br />
sofrem, perguntai a vós mesma. A socieda<strong>de</strong> não tem pejo!... hoje <strong>de</strong>spreza um<br />
moço humil<strong>de</strong>, sem educação, que vive em miséria, e que para viver se sujeita a<br />
trabalhar como um escravo, e que por isso mesmo é indignamente ridicularizado;<br />
bem... amanhã esse moço, que compreen<strong>de</strong>u a época em que nasceu, enxergou...<br />
<strong>de</strong>scobriu um meio que lhe oferece imensos... incalculáveis lucros; mas esse meio,<br />
sim, é que é <strong>de</strong>sonesto; é que <strong>de</strong>sdoura, é que rebaixa o homem diante da moral e da<br />
própria consciência... que importa?... o moço aproveitou-o... foi feliz. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
amanhã, senhora, quando o moço sai no seu belo carro, os gran<strong>de</strong>s da terra, os<br />
nobres, os ministros e todos enfim o saúdam respeitosos, e vão <strong>de</strong>pois festejá-lo...<br />
curvar-se diante <strong>de</strong>le!... isto é mentira ou verda<strong>de</strong>?...<br />
A velha guardou silêncio.<br />
– Não se zomba senão do pobre; não se ridiculariza senão a ele. Dizei, por que<br />
é que sois o alvo <strong>de</strong> uma zombaria <strong>de</strong>sprezível?... por que foi que vos lançaram uma<br />
alcunha insultuosa?... por que é que quando passais, a gente que vos vê sorri, e vos<br />
maltrata, lançando sobre vós um epíteto afrontoso?..<br />
– Porque eu sou uma triste mulher velha, respon<strong>de</strong>u Irias.<br />
– Não, senhora; é somente porque vós sois uma triste mulher pobre.<br />
– Embora... embora; isso porém não me tira do meu pensar: a “Bela Órfã” te<br />
ama.<br />
– Pois bem, ficai-vos com o vosso pensar.<br />
– E eu hei <strong>de</strong> provar-te que tu te enganas com ela; e serás tu o primeiro que<br />
me virás confessar a injustiça que lhe estás fazendo.<br />
– Será difícil.<br />
– Freqüenta com mais assiduida<strong>de</strong> o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”...<br />
Cândido, que já se achava mais sossegado, tornou-se <strong>de</strong> novo rubro <strong>de</strong><br />
130