OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ela mesma feito <strong>de</strong>saparecer do mundo: abraçava seu filho.<br />
Não havia mais vácuo no coração do mancebo, nem fantasma na imaginação<br />
da mulher.<br />
Choravam ambos; suas lágrimas porém eram bem doces; eram lágrimas <strong>de</strong><br />
uma felicida<strong>de</strong> que se não me<strong>de</strong>: felicida<strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> que não lhe bastam os lábios<br />
por on<strong>de</strong> sai em sorrisos, que lhe são precisos também os olhos por on<strong>de</strong> em<br />
lágrimas se <strong>de</strong>rrama.<br />
Completava o quadro a figura nobre do velho Rodrigues.<br />
Aquele moço e aquela senhora abraçados, e <strong>de</strong> joelhos juntos daquele velho<br />
alto e respeitável, pareciam talvez dois amantes trocando votos do mais terno e puro<br />
amor à sombra <strong>de</strong> uma árvore secular e majestosa.<br />
De repente, e com um movimento rápido e forte, Mariana <strong>de</strong>senlaçou-se dos<br />
braços <strong>de</strong> seu filho e recuou dois passos.<br />
– Minha mãe!... exclamou o mancebo com os braços estendidos para ela.<br />
Mariana lançou a mão ao seio, e tirou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro o embrulho <strong>de</strong> arsênico.<br />
– Era a morte!... disse ela, lançando o papel no chão e pisando-o com força.<br />
Entre meu filho e meu peito estava ainda um crime <strong>de</strong> permeio! agora sim... estou<br />
livre... estou bela... estou pura!... o amor <strong>de</strong> meu filho lava todas as minhas culpas.<br />
E atirou-se <strong>de</strong> novo nos braços <strong>de</strong> Cândido.<br />
Aquele prazer, a felicida<strong>de</strong> era tão gran<strong>de</strong> em ambos, que Mariana esquecia<br />
Henrique, e Cândido não se lembrava <strong>de</strong> Celina.<br />
Mas ouviu-se o rodar <strong>de</strong> uma carruagem que parou junto ao alpendre do “Céu<br />
cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
– É ele! disse o velho Rodrigues.<br />
– É ele! disse erguendo-se Cândido, que já sabia tudo.<br />
– Agora po<strong>de</strong> chegar, disse por sua vez Mariana erguendo-se também.<br />
Com efeito pouco <strong>de</strong>pois entrou na sala Salustiano, que pareceu admirar-se <strong>de</strong><br />
achar Mariana acompanhada <strong>de</strong> duas pessoas.<br />
O irmão <strong>de</strong> Cândido estava mais pálido que nunca.<br />
– Pensava encontrá-la só, senhora, disse ele.<br />
– Enganou-se; eu quis que duas pessoas testemunhassem o que se vai passar<br />
entre nós dois, respon<strong>de</strong>u a viúva levantando nobremente a cabeça.<br />
Salustiano chegou-se para uma janela.<br />
– Se é uma traição o que se me prepara, tornou ele, lembre-se, minha senhora,<br />
que ainda não é noite fechada, que muita gente está passando por baixo <strong>de</strong>sta janela,<br />
e que ao primeiro sinal <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong> força, eu farei presente <strong>de</strong> uma folha <strong>de</strong> papel<br />
ao primeiro que passar.<br />
Mariana sorriu e disse:<br />
– Descanse, meu caro senhor, tudo se concluirá em perfeita paz; vejo porém<br />
que me lembrou a tempo do que me <strong>de</strong>via ter já lembrado: a noite começa, e<br />
estamos quase às escuras.<br />
Deu dois passos para a porta do corredor e disse:<br />
– Luzes! tragam luzes!<br />
243