OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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Celina fez um movimento e lançou os olhos sobre a janela do “Purgatóriotrigueiro”...<br />
a janela estava aberta, e junto <strong>de</strong>la um jovem belo e gracioso embebia<br />
suas vistas na encantadora figura da moça... era ele... era Cândido.<br />
O filho adotivo <strong>de</strong> Irias havia chegado à fresta da janela, vira a “Bela Órfã”<br />
lendo, conhecera os seus papéis, e arrebatado <strong>de</strong> prazer e <strong>de</strong> entusiasmo abrira a<br />
janela, e tinha ficado em terno êxtase, <strong>de</strong>vorando com olhares ar<strong>de</strong>ntes os encantos<br />
daquela que adorava.<br />
Celina ergueu-se um pouco... não mostrou nem pejo nem espanto. Cândido<br />
lhe aparecia em um momento <strong>de</strong> fogo imenso <strong>de</strong> imaginação. Nem ela nem ele<br />
estavam em si: o poeta e a bela acima do mundo... acima dos homens, viviam nessa<br />
hora no espaço encantador que as almas habitam em completa in<strong>de</strong>pendência da<br />
matéria.<br />
Com os olhos fitos um no outro, como dois magnetizados, com os lábios<br />
dilatados por doce e terno sorriso, eles ficaram olhando-se muito tempo... muito<br />
tempo... vivendo, amando-se pelos olhos!<br />
Nem uma palavra <strong>de</strong> seus lábios... nem um movimento <strong>de</strong> seus braços... para<br />
quê?... o que po<strong>de</strong>riam dizer e significar eles?...<br />
As almas <strong>de</strong> ambos patenteavam-se, conversavam, juravam <strong>de</strong> mil modos um<br />
amor puro e celeste naquele olhar fixo e ar<strong>de</strong>nte com que os dois amantes se<br />
estavam <strong>de</strong>vorando.<br />
O magnetismo <strong>de</strong> amor os dominava.<br />
À face do céu e à luz do crepúsculo celebrava-se ali um himeneu encantado.<br />
O templo era o jardim; amor era o sacerdote, as testemunhas eram os favônios<br />
e as flores.<br />
Os noivos eram aqueles dois corações; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento Cândido e Celina<br />
ficavam sendo esposos na alma: não se haviam dado as mãos; mas tinham-se<br />
enlaçado pelos olhos.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XXXIII<br />
O ANIVERSÁRIO<br />
ÀQUELE dia tão cheio <strong>de</strong> acontecimentos <strong>de</strong> imensa importância para os<br />
amores <strong>de</strong> Mariana e Celina, tinha <strong>de</strong> seguir uma noite não menos fértil.<br />
Eram oito horas.<br />
A voz da velha Irias acabava <strong>de</strong> chamar a Cândido para cear.<br />
O mancebo, alegre como nunca o estivera em toda sua vida, <strong>de</strong>sceu as escadas<br />
do velho sótão, e entrando na saleta do “Purgatório-trigueiro”, encontrou sua mãe<br />
adotiva risonha e prazenteira, como em nenhuma outra noite se mostrara a seus<br />
olhos.<br />
Era talvez uma noite <strong>de</strong> festa aquela que se estava passando na pobre casa;<br />
sobre a mesa havia dois pratos a mais; contra todos os antigos hábitos uma garrafa<br />
<strong>de</strong> vinho e dois copos se apresentavam aos olhos <strong>de</strong> Cândido; e para que nada<br />
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