OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
perdida. Oh! isto foi uma <strong>de</strong>sgraça!...<br />
– Quem sabe?... disse Mariquinhas com ar pensativo; também po<strong>de</strong> ser que<br />
seja uma felicida<strong>de</strong>.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XXIX<br />
O VELHO RODRIGUES E CÂNDIDO<br />
O VELHO Rodrigues apareceu à porta do sótão do “Purgatório-trigueiro”, e<br />
ficou aí parado alguns instantes.<br />
Cândido estava só, e tinha os olhos fitos na porta; mas não dizia palavra.<br />
Era porque o moço estava olhando, porém não estava vendo.<br />
Há alguns homens no mundo que têm freqüentemente horas inteiras passadas<br />
assim; horas em que, concentrados em um mundo interior, nada vêem, nada ouvem,<br />
nada sentem do que se está passando ao redor <strong>de</strong>les.<br />
Serão pobres loucos ou entes privilegiados esses homens?<br />
Há muitos que <strong>de</strong>les se riem, ou que <strong>de</strong>les têm pieda<strong>de</strong>. Deixá-los rir... <strong>de</strong>ixálos<br />
ter pieda<strong>de</strong>.<br />
O velho Rodrigues falou:<br />
– Sr. Cândido!<br />
– Quem é? perguntou o moço erguendo-se, e como <strong>de</strong>spertando <strong>de</strong> um sono<br />
afadigado.<br />
– Sou eu... um velho amigo.<br />
– O sr. Rodrigues... ah! entre, sente-se.<br />
– Não, preciso voltar já; é pouco o que tenho a dizer-lhe.<br />
– Como quiser... eu lhe escuto.<br />
– Sr. Cândido, foi bem triste a última vez que nos vimos; foi em uma noite <strong>de</strong><br />
prazer e <strong>de</strong> dor; noite em que na mesma casa e ao mesmo tempo soavam cantos<br />
alegres e corriam lágrimas amargas.<br />
– Já passou tudo isso... esqueçamos.<br />
– Não; lembremos antes, mancebo. Nessa noite uma intriga foi forjada, e a<br />
calúnia venceu então a verda<strong>de</strong>.<br />
– Senhor... para que falar nisso?<br />
– Uma mulher caluniou a outra mulher. As portas do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” lhe<br />
foram fechadas em nome da “Bela Órfã”... A mulher que intrigava, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lançar<br />
mortal veneno em seu coração, <strong>de</strong>ixou-o só no jardim, e eu apareci então... e o que<br />
lhe disse? lembra-se?<br />
– Não; tudo esqueci... o teatro, o drama, as personagens... tudo está esquecido;<br />
nem quero outra vez lembra-me.<br />
– Oh! mas é preciso lembrar-se! ouça pois: eu apareci então, e disse: “aquela<br />
mulher mentiu!”<br />
– Não mentiu! respon<strong>de</strong>u com força o mancebo.<br />
– Foi isso mesmo o que me disse, sr. Cândido; mas eu jurei a mim mesmo<br />
161